É muito curioso como, nas artes, as carreiras de Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone sempre andaram em paralelo, em uma espécie de competição, com um sempre tentando alcançar o outro ou fazer a mesma coisa que o outro e que, décadas e décadas depois de seus respectivos auges, isso pareça repetir-se, com Stallone protagonizando sua primeira série de TV, Tulsa King, somente para, em seguida, Schwarznegger protagonizar a dele, FUBAR, com o inverso ocorrendo na seara dos documentários biográficos, em que o austríaco chegou antes do novayorkino, ainda que Sly tenha sido lançado apenas seis meses depois de Arnold e ambos pelo Netflix. E o melhor é que as duas obras ganharam contornos bem diferentes.
Enquanto Sly é um longa-metragem até ousado que aborda de maneira lírica a vida de Stallone, Arnold é um documentário em três partes bem divididas de acordo com as fases principais da carreira de Schwarzenegger – fisiculturismo, artista e governador ou, conforme os títulos, Atleta, Ator e Americano – que não assume riscos artísticos e segue a cronologia da vida do brucutu oitentista. Ambas abordagens são válidas e muito bem conduzidas, com a primeira deixando muita coisa da carreira de Stallone de lado e, a segunda, bem ao contrário, não deixando quase nada de fora. Fica para o espectador decidir qual é a melhor ou se as duas acabam se equivalendo, que, já adianto, é minha conclusão.
Com Schwarzenegger dando vida e voz ao documentário tripartite, o espectador ganha um lugar confortável e de destaque nessa jornada ao longo de décadas, começando com a vida dele na Áustria e seu abraço do fisiculturismo como forma de fugir do confinamento de Thal, o vilarejo em que nasceu dois anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, que foi o primeiro passo em sua incrível jornada que o levou para Hollywood, primeiro como Hércules (originalmente dublado e creditado como Arnold Strong), seguindo exatamente os mesmos passos de seu ídolo da época, o fisiculturista Reg Park, que se tornaria seu amigo e um de seus mentores, em um filme decididamente ridículo, mas que teve o seu valor naquele momento de sua carreira que, pouco mais de uma década depois, a partir de Conan, o Bárbaro, explodiria como uma supernova com gigantescos sucessos. E, finalmente, no terceiro episódio, talvez o lado menos conhecido de Schwarza, seu lado político, é esmiuçado, com a documentarista Lesley Chilcott não deixando de falar tanto de seus fracassos, quanto seus sucessos como governador da Califórnia.
O interessante dessa divisão cartesiana dos episódios é permitir foco absoluto em um assunto macro de cada vez, com os respectivos desdobramentos de cada momento da carreira de Schwarzenegger, como é a franca exposição de seu divórcio de Maria Shriver. Com mais ou menos uma hora para cada tipo de abordagem, Chilcott consegue abraçar todos os momentos mais importantes do austríaco, mesmo que, por vezes, o lado mais chapa branca acabe falando mais alto, algo inevitável considerando o grau de controle que o sujeito de seu documentário deve ter determinado para concordar em franquear sua vida e sua casa dessa maneira.
Chilcott, aliás, consegue fazer com que cada episódio tenha sua própria estrutura, o que ajuda a manter o documentário fresco o tempo todo, mesmo para quem já porvertura conheça detalhes da vida de Schwarzenegger. Sim, a abordagem cronológica é sempre a mais fácil, mas ela também é sempre a mais honesta. A diretora não reinventa a roda aqui. Muito ao contrário, ela literalmente aproveita o fato de que os três momentos da carreira do astro realmente não se interpenetram, com o fim de uma fase demarcando o começo da outra de maneira muito clara e direta. Teria sido interessante se ela retornasse de maneira mais contundente à tentativa de Schwarzenegger de reviver sua carreira cinematográfica depois que seu segundo mandato de governador se encerrou? Com certeza, mas não era necessário e Arnold funciona bem exatamente do jeito que foi produzido, criando um legado audiovisual de um dos grandes nomes do lado puramente blockbuster da Sétima Arte.
Agora é esperar para ver se, além de Stallone e Schwarzenegger, essa moda realmente pega e ganhamos documentários de outros brucutus dos anos 80 como Chuck Norris, Jean-Claude Van Damme e até mesmo o estranho, recluso e, até onde sei, completamente doido Steven Seagall. Mas pelo menos o Netflix começou pelos dois grandes nomes dessa década e fez dois excelentes e diferentes obras documentais com as vidas deles.
Arnold (Idem, 07 de junho de 2023)
Direção: Lesley Chilcott
Com: Arnold Schwarzenegger
Duração: Arnold Schwarzenegger, James Cameron, Sylvester Stallone, Ken Waller, Linda Hamilton, Danny DeVito, Jamie Lee Curtis, Susan Kennedy, Charles Gaines, Karl Gerstl, Eric Morris, Albert Busek, Jon Jon Park, Frank Zane, Boyer Coe, Barbara Outland, Jay Leno
Duração: 190 min. (três episódios)