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Crítica | Armugan

Uma obra que transborda pessimismo.

por César Barzine
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Vida e morte andam lado a lado em Armugan. Ambos os elementos, ao mesmo tempo que se constituem como aspectos opostos, também demonstram ser duas coisas íntimas, como se no mundo de Jo Sol viver a vida dependesse de encarar a morte. E esta é a grande tese do diretor: só existe entendimento da vida se há reflexão acerca da morte. Uma síntese que pode beirar ao contraditório, mas é o que desperta o conceito de tragédia e absurdismo dentro de Armugan e seus personagens. Amargura, caos e melancolia são as únicas coisas que restam diante de um caminho cujo único horizonte parece ser a finitude de nossa existência.

Os primeiros planos do filme já deixam claro essa pegada pessimista. Armugan, o protagonista, carrega seu amigo, Anchel, nas costas. O ato se configura num fardo para os dois: o primeiro leva consigo o peso daquele corpo, enquanto Anchel carrega algo ainda mais pesado, que é a inércia, o vazio que o impossibilita de viver sozinho, já que ele é paralítico. A sua vida depende de um outro alguém, mas essa ligação também é recíproca, pois ambos formam um laço ainda maior, que é a espiritualidade que há entre eles. A falta de diálogo encobre um certo segredo que os dois guardam ao público: a dupla possui uma estranha missão de acolher pessoas à beira da morte, como se eles suavizassem o processo.

Esses primeiros instantes do filme também já evidenciam a sua marca estética, que é bastante semelhante ao cinema de Bela Tarr. Há todo aquele estilo rigoroso, com uma potente fotografia em preto e branco, planos gerais, ritmo lento e uma brutalidade filosófica apoiada numa visão existencialista que busca um ponto cru da natureza humana. Todos esses elementos também são explícitos em O Cavalo de Turim, última produção de Tarr, tornando impensável o fato de Jo Sol não ter se inspirado na obra do diretor húngaro.

Pouquíssimos diálogos compõem a primeira metade de Armugan, o que é bastante útil para sua construção atmosférica de isolamento e falta de perspectivas. A angústia domina tudo, não há espaço para uma segunda opção. Até mesmo quando o filme encontra algo de belo, ele o apresenta de forma decadente. A paisagem natural em torno da casa de Armugan e Anchel é o único resquício de algum frescor e do sublime naquele mundo. Em enquadramentos extremamente abertos, a fotografia valoriza com perfeição a vista horizontal pertencente a aquele exterior, apresentando o esplendor do céu diurno que acaba sendo tão obscuro quanto qualquer outra coisa.

Assim como também é obscura a casa dos personagens, uma construção completamente rústica e primária que sempre chama a atenção. Não há espaço para qualquer capricho para aqueles dois homens perdidos. Vivem como cínicos atrasados no tempo e desprovidos de tudo. É como se tivessem desistido do mundo e da vida por completo. Em contraste a isso, há o ambiente cosmopolita em que vive Betiza, uma terceira personagem que se introduz na segunda metade da narrativa. Nessa transição de uma primeira fase para uma segunda é feito o uso de uma música eletrônica e agitada bastante distante de todo o clima que foi apresentado até então. A trilha sonora é clara: busca mostrar a passagem dos dois protagonistas para outro campo.

Daí começa o dilema do filme, pois Betiza quer que seu filho, que se encontra agonizando em um leito, sofra um processo de eutanásia que seja cometido por Armugan e Anchel. Eles negam, possuem uma clara filosofia de que a vida é intocável. Surgem monólogos sobre vida, morte e dor. As meditações do filme agora ganham um novo corpo. São concretizados por falas que nos convidam a refletir sobre o suicídio. A todo momento somos lembrados de que não há esperança ou outra saída. Não é um filme de muitos rumos. De qualquer forma, as imagens contemplativas podem acarretar numa pequena mudança de olhar. O mundo é amargo, a existência é rude, mas ainda assim há algo de belo.

Imagens de insetos nos sugerem a significância de cada vida. Formigas comendo e carregando folhas, um outro bicho se movendo lentamente. Todo esse microcosmo de coisas pequenas desperta a consciência de algo muito maior. Seja no silêncio ou na fala, o absurdo de viver povoa cada segundo deste filme; porém Sol não nos oferece uma visão fatalista, os personagens podem não dizer isso, mas certos olhares do longa-metragem mostram que, ainda assim, em meio a tamanha melancolia e perdição, Armugan é um filme esperançoso.

Armugan (Armugan) – Espanha, 2020
Direção: Jo Sol
Roteiro: Jo Sol
Elenco: Gonzalo Cunill, Diego Gurpegui, Núria Lloansi, Íñigo Martínez, Núria Prims
Duração: 91 minutos.

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