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Crítica | Argentina, 1985

Nunca más.

por Rodrigo Pereira
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1984. Alguns meses após o término da ditadura militar argentina, o recente governo democrático de Raúl Alfonsín, em meio a diversas incertezas de todos os lados, toma uma atitude corajosa e necessária, mas extremamente complicada: levar a julgamento os líderes das forças armadas, o ditador Jorge Rafael Videla (Marcelo Pozzi) entre eles, responsáveis pela perseguição, tortura e desaparecimento de milhares de pessoas durante os anos de 1976 e 1983. Para tanto, o procurador público Julio César Strassera (Ricardo Darín) é nomeado para o trabalho, precisando montar uma equipe de acusação e reunir o maior número de provas possíveis em um período de cinco meses. Esse é o enredo de Argentina, 1985, filme dos nossos vizinhos sul-americanos escolhido para representar o país no Oscar 2023.

Depois de retratar Darín como presidente argentino no thriller político A Cordilheira, o diretor Santiago Mitre reedita a parceria com o astro no gênero, mas sem cometer os erros da obra de 2017. Se a dificuldade de unir adequadamente o núcleo pessoal e o político é um dos principais problemas do filme anterior, é justamente um dos grandes acertos neste aqui. Desde o início da história vemos a esposa e o casal de filhos de Strassera presentes em seu cotidiano, participando das questões familiares e, principalmente, políticas, já que todos estão bem cientes o que representa este julgamento. É uma chance que, conforme as próprias personagens relatam mais de uma vez, talvez seja única, visto que os acusados foram absolvidos no tribunal militar.

Todo esse anseio e expectativa produzem uma atmosfera tensa ao longo de toda a obra, que é reforçada pelas constantes ameaças de morte sofridas pelos procuradores e suas famílias, dando ainda mais impacto para momentos como os relatos das testemunhas selecionadas por Strassera, Luís Moreno Ocampo (Peter Lanzani), braço direito de Strassera, e os demais integrantes da equipe de procuradores. Por ser baseado em fatos reais, o simples conhecimento disso já seria suficiente para causar, no mínimo, incômodo na plateia, porém a direção vai além e investe em sequências detalhadas de relatos das testemunhas, especialmente de Adriana Calvo de Laborde (Laura Paredes), causando um verdadeiro nó na garganta ao ouvir o terror sofrido por aquelas pessoas.

Outro ponto muito bem trabalhado pela direção é o controle da câmera durante as sequências. Mitre demonstra, de forma ainda melhor que em A Cordilheira, uma excelente noção de campo, alterando completamente o teor de uma cena através de movimentos simples e deslocamentos sutis. Um exemplo é ainda no início do filme, quando Strassera chega em casa e conversa com seu filho Javier (Santiago Armas Estevarena) na cozinha. Após sua esposa Silvia (Alejandra Flechner) chegar ao local, Javier é mandado para o quarto, ficando apenas os dois adultos no recinto. Nesse momento, a câmera se desloca lentamente para o lado, mudando o ângulo de visão e fazendo com que a parede da cozinha, simples e sóbria, seja o principal elemento de fundo na cena. É um sinal que o diretor dá para marcar a mudança de tom na conversa, que passa para um assunto restrito somente aos adultos da casa.

Aliás, Mitre trabalha muito bem com diversos elementos de cenários ao longo da obra, que são muito bem realizados pela diretora de arte Micaela Saiegh. Por diversas vezes, seja em seu escritório, casa ou visitando amigos, vemos Strassera em frente a estantes lotadas de livros, uma forma de demonstrar o conhecimento adquirido ao longo dos anos na profissão e de que está capacitado para o trabalho. Da mesma maneira, é comum o vermos nessas sequências com uma forte luz, seja natural ou artificial, iluminando geralmente as suas costas, como se indicasse que ele foi selecionado e está, com perdão da redundância, iluminado para a tarefa, mas sem acreditar em sua capacidade. Sua constante postura contrária a essas luzes demonstram uma forte incerteza de suas habilidades para lidar com o caso, algo que muda conforme começa a trabalhar com Ocampo e os demais jovens colegas.

A relação entre o experiente procurador e os jovens que integram sua equipe evidenciam a necessidade da colaboração entre as gerações. Strassera, com todo seu conhecimento, experiência e renome, só pôde completar o trabalho porque havia Ocampo, Susana (Paula Ransenberg) Federico (Brian Sichel) e o resto da equipe de, sim, jovens inexperientes, mas munidos da sagacidade e da coragem que já faltavam em seu líder. É a união necessária para exorcizar o fantasma da barbárie.

E é essencialmente sobre isso que trata Argentina, 1985. É a responsabilização de quem causou tanta dor e sofrimento para uma nação inteira por todos aqueles anos em nome do puro sadismo simplesmente porque podiam. É, conforme o próprio elenco do filme relatou em entrevista, a volta ao passado para que ele não se repita. Que seja assim seja.

Argentina, 1985 — Argentina, EUA, Reino Unido, 2022
Direção: Santiago Mitre
Roteiro: Mariano Llinás, Martín Mauregui, Santiago Mitre
Elenco: Ricardo Darín, Peter Lanzani, Alejandra Flechner, Paula Ransenberg, Carlos Portaluppi, Antonia Bengoechea, Laura Paredes, Brian Sichel, Norman Briski, Héctor Díaz, Alejo Garcia Pintos, Claudio Da Passano, Gina Mastronicola, Francisco Bertín, Santiago Armas Estevarena, Gabriel Fernández, Ricardo Tuppel, Ignacio Francavilla, Walter Jakob, Pablo Moseinco, Pablo Caramelo, Mariano Speratti, Guillermo Jacubowicz, Martin Gallo, Fernando Ritucci, Pablo Burzstyn, Ricardo Cepeda, Héctor González, Carlos Del Río, Ruben Casela, Ricardo Carranza, Jorge Gerschman, Pietro Gian
Duração: 140 min.

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