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Crítica | Aquarela (Akvarel, 1958)

Arte e objeto artístico.

por Luiz Santiago
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Primeiro filme do diretor Otar Iosseliani, produzido como conclusão de seus estudos de cinema na VGIK, o Instituto de Cinema de Moscou, Aquarela traz uma discussão atemporal e muitíssimo relevante sobre o “motivo inspirador” de uma produção artística e o tratamento distanciado, quase fantasioso, que ele recebe da “elite produtora” dessa arte, principalmente quando os representados são pessoas ou espaços marginalizados da sociedade. A película é uma comédia crítica que aborda a vida de um casal pobre, cercado de filhos, onde a mulher lava roupa para sobreviver e o marido quer dinheiro para gastar com vícios. A briga rápida entre os dois é seguida por uma perseguição e ambos acabam em um museu, onde descobrem uma pintura de sua própria casa sendo exibida e analisada pelos guias.

É difícil acreditar que este seja o primeiro filme de um diretor, porque o nível de atenção que ele dá à decupagem das cenas e a forma como elenca vários estágios de sentimentos em apenas 10 minutos de projeção é impressionante. A comédia de perseguição entre marido e mulher é capturada com bastante competência através de uma variedade de ângulos, planos e enquadramentos visualmente instigantes, dando lugar ao espanto dos personagens diante de algo inesperado, uma reviravolta que coloca esposo fujão e esposa perseguidora diante de sua própria realidade… vista por terceiros que parecem não saber nada do que dizem. É nesse ponto que diversas outras camadas interpretativas aparecem em cena e enriquecem o curta.

O que sabem os estudiosos de um museu sobre uma humilde casa na periferia da cidade? O que podem saber sobre as relações dos que ali vivem, do que passam aquelas pessoas, ou o que elas desejam? E ainda assim, esses estudiosos fazem leituras emotivas, cheias “possíveis verdades” sobre os moradores daquele “espaço exótico”, tratando-os como curiosidade distanciada. Discussões que perpassam a etnologia e chegam à luta de classes, à desconexão entre teoria e prática de muitos discursos socialmente populares e entre o “ideal artístico de pobreza” e a “pobreza em si” recebem lugar na crítica realizada pelo diretor, que não perde a oportunidade de alfinetar também a mudança de perspectiva, na cena final, quando uma nova oportunidade de produção artística aparece. O que antes era uma incógnita acidental, agora passa a ser uma reprodução orientada, registrada de bom grado, com algum tipo de benefício tanto para o artista, quanto para o objeto artístico. Tão real e tão Universal que chega a doer.

Aquarela (Akvarel) — URSS, 1958
Direção: Otar Iosseliani
Roteiro: Otar Iosseliani, Alexander Grin
Elenco: Gennadi Krasheninnikov, Sofiko Chiaureli, Otar Iosseliani, Vladimir Lebedev
Duração: 10 min.

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