Conhecido por retratações consideravelmente violentas e metafóricas da sociedade, Takashi Miike mais uma vez tem um de seus filmes exibidos no Festival do Rio. Com um título que já explicita o caráter bizarro do longa. Apocalipse Yakuza é, sem dúvidas, minha maior surpresa deste Festival, não pela sua qualidade, mas por quebrar qualquer expectativa do que eu veria, portanto, para ter uma experiência completa, recomendo que assista o filme antes de ler esta crítica, que não será ausente de spoilers a fim de contemplar todos os aspectos da obra. Volte aqui após ter essa experiência, no mínimo, surreal.
A projeção se inicia com um combate travado pelo líder Yakuza Kamiura (Lily Franky) – uma verdadeira chacina se transpassa enquanto o único homem luta contra inúmeros adversários, matando cada um deles e parecendo nunca cair, por mais que leve tiros e espadadas. Kamiura é, na verdade, um vampiro yakuza e, após ser assassinado, passa seus poderes para Kageyama (Hayato Ichihara), que deve dar continuidade ao legado de seu antigo chefe ao mesmo tempo que luta contra monstros em uma cidade completamente vampirizada para evitar o apocalipse.
Miike, que tem o costume de chegar com uma decupagem pronta nas filmagens e apenas observar o desenrolar das gravações é bem-sucedido em suas cenas de ação. Embora elas causem um estranhamento inicial por serem velozes demais, rapidamente percebemos a intenção do diretor em criar uma sensação de caos em sua narrativa. Nada corre como o esperado e nessa completa e constante quebra de expectativas, Takashi busca homenagear o mangá, o anime e o tokusatsu, utilizando elementos bastante familiares a essas três formas de arte japonesas.
Apocalipse Yakuza é uma gradual descida à loucura e pouco a pouco a trama apresenta elementos completamente inesperados, começando com um padre que fala inglês, que parece ter sido tirado diretamente das páginas de Hellsing até o chamado “monstro moderno”, uma criatura que nada mais é que um homem vestido em fantasia de sapo, fazendo com que a audiência exploda em risadas. Impossível conter o riso com a aparição desse impensável personagem, que se demonstra ser um exímio lutador de artes marciais, além de possuir poderes místicos.
O que mais nos chama a atenção, porém, é que essas figuras conseguem se inserir dentro da narrativa construída por Miike – causam estranhamento, obviamente, mas já estamos tão absortos pela loucura que aceitamos a presença deles em tela. E enquanto o diretor brinca com essas inusitadas inserções ainda faz críticas contundentes à sociedade, tratando da exploração de grandes e pequenas cidades por corporações, que precisam se infiltrar mesmo nas menores comunidades. Ironicamente, a Yakuza de Kamiura é o que protege os civis e sua morte representa o fim da não-vampirização desses inocentes. O novo absorve o antigo e quem sai prejudicado são as pessoas de menor renda.
A obra, porém, por mais que conte com uma construção narrativa bastante coesa, apresenta um sério problema de ritmo, que não só cansa o espectador, como quebra sua imersão inúmeras vezes. Um enfoque desnecessário em uma relação amorosa de Kageyama é um dos exemplos disso. Outro é um prolongamento excessivo de determinadas sequências, em especial o clímax, que nos faz ansiar desesperadamente pelo seu término, quando deveria nos engajar mais e mais.
Dito isso, Apocalipse Yakuza funcionaria muito melhor se fosse mais curto ou explorasse mais a fundo alguns de seus personagens secundários, ao invés de trazer certos enfoques desnecessários. Mesmo assim, Takashi Miike consegue nos surpreender com uma obra que foge completamente do que qualquer um esperaria e, mesmo que esteja muito longe de seu melhor filme, ainda vale ser assistido, nem que seja pelas certas risadas que a projeção provoca.
Apocalipse Yakuza (Gokudou daisensou – Japão, 2015)
Direção: Takashi Miike
Roteiro: Yoshitaka Yamaguchi
Elenco: Lily Franky, Hayato Ichihara, Yayan Ruhian, Rirî Furankî
Duração: 125 min.