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Crítica | Apartamento 7A

A vizinha de Rosemary.

por Ritter Fan
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Provando que sequências são, tristemente, o padrão das artes, o próprio Ira Levin escreveu, 30 anos depois, O Filho de Rosemary, continuação de seu clássico O Bebê de Rosemary, que foi adaptado como parte da minissérie de 2014 que levou o título da obra mais conhecida – por sua vez famosamente adaptada por Roman Polansky – e que acabou sendo seu último romance. Agora, passadas mais algumas décadas, eis que o universo demoníaco sobre a opressão da mulher que Levin criou retorna ao audiovisual na forma de um prelúdio singelamente batizado de Apartamento 7A, que conta a história de Terry Gionoffrio, vizinha de Rosemary apenas no filme de 1968, vivida por Angela Dorian, que tem uma breve conversa com a personagem de Mia Farrow na lavanderia do prédio Bramford e cujo destino é conhecido logo depois.

Obviamente que navegar pelo drama de Gionoffrio não cai na categoria de algo “necessário”, mas necessidade não é a razão para a existência de continuações e prelúdios, pelo que devemos nos ater ao filme que, no final das contas, existe e está aí para apreciação de quem assim quiser. Interpretada por Julia Garner, talvez mais lembrada no papel de Ruth Langmore, na série Ozark, Terry é uma dançarina que aspira ter seu nome em destaque na marquise de um show da Broadway, mas que, durante uma audição, sofre um acidente que afeta profundamente sua capacidade de dançar. Correndo atrás de Alan Marchand (Jim Sturgess), um produtor teatral particularmente sádico que mora no Bramford, ela acaba “adotada” pelo casal Minnie e Roman Castevet (Dianne Wiest e Kevin McNally), ricos donos do apartamento do título e também de outro, no mesmo andar, onde eles acomodam a jovem ostensivamente por caridade, mas claramente – para o espectador – com motivos ulteriores que qualquer um que tenha lido o livro e/ou visto o filme ou a minissérie, sabe qual é.

Em essência, o roteiro que a diretora Natalie Erika James escreveu ao lado de Christian White (ambos de Relíquia) e Skylar James (estreante em longas) é uma outra versão de O Bebê de Rosemary, com exatamente a mesma temática de sedução, abuso e perda de independência da mulher tendo como pano de fundo uma conspiração demoníaca. Não há grandes novidades aí a não ser, talvez, compreender o que efetivamente aconteceu com Terry no filme de Polansky, o que, como já disse, não é algo particularmente importante ou que acrescente outras camadas à história mais famosa. A produção até mesmo faz esforços consideráveis em termos de direção de arte e de fotografia para fazer do prédio de luxo que é o cenário principal do longa algo que homenageia o clássico e ofereça ao espectador que goste muito do original uma forma de retornar para uma ambientação conhecida, novamente usada de forma labiríntica, claustrofóbica e ameaçadora, uma verdadeira manifestação arquitetônica do encurralamento físico e psicológico da protagonista.

Também de maneira muito semelhante ao que foi feito nos anos 60, o horror é muito mais sugerido do que mostrado, com a atmosfera sendo infinitamente mais importante do que os fogos de artifício que comumente são a praga de obras do tipo. Natalie Erika James, porém, joga seguro o tempo todo e, ao fazer isso, telegrafa cada sequência de seu longa, sem dar espaço para que a imaginação do espectador preencha espaços em branco ou supra lacunas e isso mesmo que alguém nunca sequer tenha ouvido falar em O Bebê de Rosemary, o que é possível, mas que eu duvido. Por outro lado, a diretora conhece o elenco que tem e tira proveito disso ao deixar Julia Garner livre para atuar e construir sua própria sofrida personagem que é capaz de fazer de tudo – bem, quase tudo – por um papel em um musical, por menor que ele seja em razão de sua limitação física. A transição da força de Terry para ambição desmedida e, dali, para realização do que está acontecendo de verdade com ela é o grande destaque do longa e o que realmente segura a película por toda sua duração. Sim, Dianne Wiest também está muito bem fazendo uma sinistra, bisbilhoteira e histriônica Minnie, mas Garner é mesmo o sustentáculo de tudo.

Não que Erika James não ofereça alguns bons momentos no longa, pois ela sem dúvida os oferece. Dois deles merecem destaque, com o primeiro sendo a literal tortura tão sádica quanto masoquista que é a audição de Terry para a peça produzida por Marchand, em uma demonstração dolorosa do poder sendo maldosamente exercido sobre Terry e o quanto Terry se curva a ele. O outro é  a sequência da “dança final”, digamos assim, em que o espectador sabe exatamente o que acontecerá (ou no mínimo desconfia), mas, mesmo assim, é hipnotizado pela estranha, agoniante e até sedutora performance de Terry diante dos moradores do prédio. Diria que essa segunda sequência é tão eficiente que Skylar James, que originalmente criou a história que converteria em roteiro, parece ter partido desse ponto e criado todo o restante para justificá-lo.

Apartamento 7A, longe de oferecer reais novidades ou mesmo informações que possam ser reputadas relevantes para a mitologia do longa original, não deixa de ser um filme bem produzido, visualmente impecável e com uma direção firme, ainda que burocrática de Natalie Erika James que serve de literal palco para Julia Garner brilhar e, lateralmente, para Dianne Wiest enervar o espectador. A história da vizinha de Rosemary que ninguém sequer se lembrava direito ganha o tratamento hollywoodiano e, no final das contas, diferente do que se poderia imaginar, nem tudo se perde, mesmo que, no frigir dos ovos, o ganho não seja lá também muito grande.

Apartamento 7A (Apartment 7A – EUA/Austrália/Reino Unido, 27 de setembro de 2024)
Direção: Natalie Erika James
Roteiro: Natalie Erika James, Christian White, Skylar James (baseado em história de Skylar James, por sua vez baseada em romance de Ira Levin)
Elenco: Julia Garner, Dianne Wiest, Jim Sturgess, Kevin McNally, Marli Siu, Andrew Buchan, Rosy McEwen, Kobna Holdbrook-Smith, Amy Leeson, Scott Hume
Duração: 104 min.

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