Home FilmesCríticas Crítica | Ao Cair da Noite (2017)

Crítica | Ao Cair da Noite (2017)

por Guilherme Coral
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estrelas 3

O futuro pós-apocalíptico sempre foi fruto de grande interesse nos cinemas, tendo sido abordado, de maneiras variadas, em obras que vão desde O Exterminador do Futuro até Mad Max. Com tantos filmes abordando temáticas similares, torna-se cada vez mais difícil criar algo que seja verdadeiramente novo, que explore de forma contundente territórios já conhecidos. Ao Cair da Noite, segundo longa-metragem de Trey Edward Shults não promete mergulhar na novidade, trazendo um olhar novo sobre sociedades destruídas e sim segue por vias minimalistas, preocupando-se com o psicológico de seus personagens e sobre como a tragédia transformou a essência do ser humano, definindo prioridades bem claras que nem sempre levam em conta o bem-estar do próximo.

Essencialmente, o filme segue uma vertente bastante próxima ao excelente A Estradaromance de Cormac McCarthy que ganhou sua adaptação cinematográfica estrelada por Viggo Mortensen. É seguro dizer que McCarthy, junto dos quadrinhos The Walking Dead pavimentaram o caminho para os universos pós-apocalípticos modernos, definindo a maior ameaça como os próprios seres humanos e não o elemento externo que causara toda aquela devastação. Ambas as obras trabalham a mudança da personalidade de seus personagens principais, focando na manutenção daquilo que os define como humanos e não na sobrevivência como ser vivo propriamente dito. Enxergamos homens tornando-se monstros, literal e figurativamente, aspecto que foi herdado pelo marco dos games, The Last of Us.

Ao Cair da Noite busca evidenciar justamente essa questão, acompanhando uma família que vive em uma casa no meio da floresta. Em momento algum nos é dito o que aconteceu de fato com o mundo, algo que os próprios personagens não sabem dizer. O pai, Paul (Joel Edgerton) procura, ao máximo, proteger seu filho, Travis (Kelvin Harrison Jr.) e sua esposa, Sarah (Carmen Ejogo), definindo regras claras que os alienam do restante da sociedade. Essa reclusão, contudo, é rompida quando Will (Christopher Abbott) tenta invadir esse lar no meio da mata, acreditando, supostamente, estar abandonado. A família de Paul precisa, então, abrigar a de Will, temendo que esses estejam mentindo ou que algum deles esteja infectado com aquilo que devastara o mundo à sua volta.

Ambientado inteiramente nessa floresta e no interior da grande casa, toda de madeira, a obra consegue estabelecer a constante atmosfera de solidão e desolação. O realismo, que se estende para a iluminação, proveniente da luz natural ou de lanternas e a paleta de cores, com tons sóbrios, permite a necessária imersão, visto que acreditamos plenamente naquilo que enxergamos. A sensação passada é a de que pouco resta da humanidade e que todos podem ser vistos como inimigos, já que, no desespero, não há como saber o que farão. O texto de Trey Edward Shults sabiamente prioriza a construção do psicológico de cada um dos personagens, desenvolvendo a paranoia de cada um discretamente, sem qualquer explosão de ira ou loucura, a tal ponto que o clima de incerteza instaura-se na narrativa, deixando-nos sem saber o que acontecerá a seguir.

Passamos, então, a ver os pesadelos de Travis, que inserem o elemento do terror nesse thriller psicológico, com escassos jump scares que não prejudicam nossa imersão, mas amplificam o ar de mistério tão presente na projeção. Shults desenvolve o suspense por meio daquilo que não é visto e daquilo que não sabemos, seja o olhar aterrorizado de um personagem, cuja visão não compartilhamos, ou a própria mentalidade dos indivíduos que moram na casa, que permanecem como incógnitas do início ao fim do longa-metragem. Dessa forma, o diretor e roteirista transporta-nos para o interior desse universo, prendendo-nos em sua atmosfera que oprime e causa desconforto.

Infelizmente, contudo, a ausência de qualquer resposta ou sequer conclusão apropriada para questões levantadas ao longo da narrativa faz parecer como se todo esse desenvolvimento não levasse à absolutamente nada. Para fins de comparação, é como se observássemos a crescente loucura de Jack Torrance (de O Iluminado), sem que ele jamais demonstrasse sua psicose nos trechos finais. É evidente que Shults busca, em seu filme, trabalhar exclusivamente a natureza psicológica de seus personagens, focando nos medos e transformações que eclodiram à partir do apocalipse – o terço final, porém, desperdiça essa construção, passando-nos a ideia de que a obra é pura atmosfera e (quase) zero conteúdo, quando facilmente poderia ter desenvolvido ambos os lados, mantendo, ainda, seus traços minimalistas.

Ao Cair da Noite, no fim, soa como uma história vazia em um filme atmosférico, que nos transporta para esse clima de desolação e solidão sem, necessariamente, nos entregar uma conclusão satisfatória. Com o foco evidente no psicológico de seus personagens, Trey Edward Shults constrói seu longa-metragem com calma, mas justamente essa ausência de pressa prejudica o resultado final, visto que ficamos esperando por mais, buscando algum propósito em toda aquela trama que nos fora apresentada. Apesar de nos fazer imergir em sua narrativa, a obra não acrescenta muito a um cenário que já fora muito bem trabalhado em outras produções, como A Estrada, em que, claramente, o realizador se inspirou. Quando os créditos começam a rolar, somos deixados com um extenso desenvolvimento que leva à quase nada.

Ao Cair da Noite (It Comes at Night) — EUA, 2017
Direção: Trey Edward Shults
Roteiro: Trey Edward Shults
Elenco: Joel Edgerton, Christopher Abbott, Carmen Ejogo, Riley Keough,  Kelvin Harrison Jr., Griffin Robert Faulkner, David Pendleton
Duração: 91 min.

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