Home FilmesCríticas Crítica | Druk – Mais Uma Rodada

Crítica | Druk – Mais Uma Rodada

por Luiz Santiago
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É muito importante que os personagens dessa história sejam 4 homens adultos, com bom emprego, bom nível de estabilidade e inteligência para escolherem e compreenderem o caminho que estão seguindo. Isso porque estamos falando de um vício, e o foco em personagens mais jovens (que, aliás, também aparecem bebendo aqui, mas o filme não atenta para eles nesse aspecto — o foco neles é o da pressão familiar e social para o desempenho na escola) poderia levar a trama para veredas bem diferentes, inclusive no apontamento de responsabilidades e consequências.

Em Another Round (Druk) o diretor Thomas Vinterberg nos faz acompanhar quatro professores do Ensino Médio, na Dinamarca, que tentam dar um tratamento estatístico ao pensamento de que os humanos nascem com uma mínima deficiência de álcool no sangue. Para isso, começam a registrar, ao modo de um diário científico, as taxas de álcool ingeridas por cada um deles e os benefícios que isso traz para suas vidas. É o caso de uma “ideia estúpida” de um roteiro (por conta da óbvia possibilidade de cair no alcoolismo, conclusão a que os próprios professores chegam após um determinado momento) mas trabalhada de modo a fornecer um olhar para as necessidades de cada um em termos de relações interpessoais, não importando a esfera.

Esses professores possuem uma vida pessoal com diferentes encaminhamentos, basicamente divididos entre o bloco da solidão e o dos problemas matrimoniais. Com a rotina, esses impasses acabaram se refletindo na maneira como Martin (Mads Mikkelsen, que tem a melhor performance do filme, muito centrado, econômico e com grande leveza ao dançar), Tommy (Thomas Bo Larsen) e Nikolaj (Magnus Millang) dão aula, e aí entra um ponto muito interessante da obra. O desempenho cada vez melhor desses professores em sala, apenas porque estavam cada vez mais bêbados, é um resultado rápido demais com uma grande conta negativa logo em seguida (note que um dos alunos diz para Martin que ele “parece que trocou de marcha” quando aparece sóbrio).

Em vez de procurar respostas para suas perguntas e procurar melhorar diante dos alunos, das esposas, dos amigos, esses indivíduos buscam um aditivo para fazer o trabalho por eles. E a descida aos infernos aqui é retratada inicialmente com grande fineza e, posteriormente, como um monstro silencioso, que como todo vício, afetará as pessoas em tempos e por modos diferentes. É nesse ponto que o diretor nos faz perceber que a obra gira mais em torno da busca por pertencer e vencer (o mesmo dilema do aluno na prova de Filosofia) do que em uma história moral sobre o alcoolismo. A obra deixa claro, aliás, o quão fácil é conseguir bebida e o quão fácil é enganar-se enquanto se diverte, ri e dança sob os seus efeitos.

A obra mostra a decadência quase silenciosa e chamo a atenção para o fato de que não estamos falando de pessoas desregradas ou com motivos depressivos como mola para tal procura. Todos possuem uma boa vida com alguns problemas, como todos nós. E esses problemas, em vez de serem abordados diretamente, são cobertos por uma aura de coragem e felicidade que só é conseguida com algum nível de intoxicação. O problema aí reside no fato de que esse tipo de busca não pode durar para sempre. E os planos escuros que o diretor nos traz, os rostos bêbados e o contraste com momentos de trilha sonora dançante e festividades onde se bebe socialmente nos aprece um aviso de permissividade e facilidade para acessar uma garrafa qualquer. “Todo mundo bebe nessa droga de país“, diz a mulher de Martin em certo momento da história. O problema é muito mais complicado do que apenas o recorte feito pelo diretor.

Thomas Vinterberg mostra em Another Round (Druk) homens que intelectualmente se entregam a um vício e sofrem as consequências disso. Não há moralismo aqui, mas um trato humano para a aposta em um jogo muito perigoso. Com homens sensíveis, que choram, que conversam com os amigos sobre seus problemas e dores, o diretor também nos mostra esse outro lado da ansiedade, da depressão da busca por agradar e sempre fazer certo. É um filme sobre um vício muito comum, mas com camadas o suficiente para não deixar a abordagem datada ou rasa.

Another Round (Druk) — Dinamarca, Suécia, Países Baixos, 2020
Direção: Thomas Vinterberg
Roteiro: Thomas Vinterberg, Tobias Lindholm
Elenco: Mads Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Magnus Millang, Lars Ranthe, Maria Bonnevie, Helene Reingaard Neumann, Susse Wold, Magnus Sjørup, Silas Cornelius Van, Albert Rudbeck Lindhardt, Martin Greis-Rosenthal, Frederik Winther Rasmussen, Aksel Vedsegaard, Aya Grann, Gustav Sigurth Jeppesen
Duração: 117 min.

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