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Crítica | An American Pickle (2020)

por Luiz Santiago
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Não importa a cultura em que você esteja, a família sempre será a instituição mais importante para a maioria das pessoas e terá o seu papel na formação do indivíduo, seja pela presença, seja pela ausência ou modelo disfuncional em que se organiza. É claro que lugares e períodos históricos influenciam na extensão e peso dessa relação. Como raiz, todavia, a família sempre estará lá. E é esta instituição que está marcada como a pedra angular de An American Pickle (2020), obra de Brandon Trost que traz o ator Seth Rogen em dois papéis.

Herschel Greenbaum (Rogen) muda-se de seu país natal, juntamente com a esposa, para os Estados Unidos, onde procuram uma nova oportunidade para construírem uma vida. Eles fogem da destruição de sua vila feita pelos cossacos, e essa é uma das inúmeras pistas simbólicas e dramáticas que o roteiro de Simon Rich espalha pelo filme inteiro, sempre fazendo um bom uso desses elementos para fortalecer a noção de legado da família, dando a sensação de ciclo familiar (e da vida!), além de conseguir ótimas cenas emotivas com isso, especialmente no último ato.

O espectador não deve entrar aqui com um desejo de ultrarrealismo, ou sairá da sessão espumando bobagens relacionadas a “furo de roteiro” para referir-se à abordagem quase sci-fi e quase realismo mágico que o texto utiliza para estabelecer o “congelamento” de Herschel em um enorme recipiente da fábrica de picles onde trabalhava. Não digo, porém, que a cena não cause incômodo, porque ela causa (e nos faz lembrar de uma das histórias de origem do Coringa, não tem como). E o mesmo vale para as coisas que se seguem, como a “condenação” da fábrica naquele exato momento e também a quase mágica redescoberta do local onde Herschel fora preservado no pickle por 100 anos.

Esses são incômodos de conveniência narrativa que quebram aquilo a que estamos acostumados, não algo que tenha a ver com a má condução da obra. A apresentação do filme, num país fictício, já é um indício de que as coisas não funcionariam sob a mais alta das lógicas ou comparativo realista com o nosso mundo, de modo que cobrar isso de um enredo que jamais prometeu dar é, para dizer o mínimo (e sendo muito bonzinho), falta de atenção. Esses eventos misteriosos, no entanto, ajudam a criar a ponte entre duas diferentes eras e, a partir daí, contar uma história que tem a ver com a essência da obra, sobre a qual argumento desde o primeiro parágrafo: a importância da família na vida de uma pessoa. E nesse caso, o recorte para uma família judaica é bastante propício, pois há tanto um esterótipo quanto uma real exposição da grande força que a família (especialmente a relação entre pais e filhos) possui entre os judeus.

O elemento cômico é ativado aqui na linha de inadequação de Herschel em um mundo totalmente diferente do seu. Eu ainda acho que uma atuação mais enérgica de Rogen nesse retorno e alguns eventos de maior espanto feriam muito bem ao filme, mas é possível entender a sua escolha na construção do personagem, até porque a discussão proposta pelo texto faz uso de um outro dispositivo cultural (também estereotipado e ao mesmo tempo real) para dar conta dos complexos laços familiares entre os dois Greenbaum, a criação de um empreendimento próprio.

Nem o comércio e nem o deslocamento temporal da fita são a essência do roteiro. Eles fornecem os ingredientes para mostrar como distintas gerações lidam com a perda das pessoas que amam, com a religião, com o trabalho e com as outras pessoas, seja em momento de enfrentamento físico ou verbal. O conto familiar traz um aprendizado para as duas partes, fazendo com que os dois homens revejam os conceitos que criaram um do outro e coloquem na mesa aquilo que possuem de melhor, para então unirem forças e conseguirem crescer juntos… não só no sentido financeiro.

Há um ponto anticlimático bem no meio do filme, que é a resolução do “banner dos cossacos” bem acima do cemitério judeu onde os Greenbaum estavam enterrados. Mesmo que esse também seja um espaço de temáticas de discussão entre Ben e Herschel, novamente mostrando as mudanças de pensamento de cada geração frente ao luto e a memória dos mortos, é um evento que ganha uma preparação enorme, recebe toda uma formulação cômica em torno do trabalho de Herschel com os pickles diferentões que vende, mas seu encadeamento final está entre morno e frio, sem contar que o ganho do filme nesse período é praticamente perdido. O que sobra daí são as consequências da briga que levou os Greenbaum para a cadeia e, de forma secundária, as consequências das ações moralmente questionáveis de Ben ao tentar boicotar o trabalho de Herschel.

O único papel que exige algo de Seth Rogen como ator é o do homem mais velho, e isso só na primeira parte do filme. Na segunda parte ele diminui o sotaque, não precisa falar hebraico e suas diferenças dramáticas em relação a Ben são poucas. Entretanto, isso não tira o charme de termos o mesmo ator nos dois papéis, ao contrário, ajuda a fortalecer a mensagem de conexão através de atritos e reconsiderações que travam ao longo da saga. Aqui, o conflito de gerações gera algo positivo para os dois lados. E o sonho-raiz do legado familiar permanece vivo, após o encontro e reconstrução de um elo perdido.

An American Pickle (EUA, 2020)
Direção: Brandon Trost
Roteiro: Simon Rich
Elenco: Seth Rogen, Sarah Snook, Molly Evensen, Eliot Glazer, Kalen Allen, Kevin O’Rourke, Sean Whalen, Geoffrey Cantor, Carol Leifer, Jorma Taccone, Marsha Stephanie Blake, Alyse Zwick, Dalon Huntington, J Michael Grey, Efka Kvaraciejus
Duração: 88 min.

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