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Crítica | Ammonite (2020)

por Roberto Honorato
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Depois de ter dirigido O Reino de Deus, Francis Lee desenvolve novamente uma narrativa com protagonistas LGBTQ+, dessa vez um romance de época sobre um dos nomes mais importantes da comunidade científica britânica, a paleontóloga Mary Anning, que passou grande parte de sua vida explorando fósseis. E por mais importante que seu trabalho tenha sido ou a quantidade de pesquisadores da área que ajudou, ela nunca teve uma estabilidade financeira, então aproveitou sua oficina de trabalho como loja, onde vendia fósseis da região.

Em Ammonite, Mary Anning (Kate Winslet) recebe a visita de um oficial acompanhado de sua esposa, Charlotte (Saoirse Ronan), que não parece muito feliz. Ele se diz um grande admirador da ciência, então propõe que sua esposa passe algumas semanas com a paleontóloga, para que ela aprenda mais sobre o assunto. Mesmo relutante, Anning vê que não pode se dar ao luxo de recusar a oferta, então acomoda a jovem infeliz. Por mais que a despreze no começo, logo passam a desenvolver um relacionamento cada vez mais íntimo.

Não há registros dos relacionamentos amorosos e vida sexual da cientista, mas Francis Lee toma algumas liberdades e se aproveita da relação de Anning e Charlotte Murchison (uma amiga que realmente morou e trabalhou com Anning) para desenvolver um debate sobre dilemas que vão além do já esperado conflito interno de identidade, com uma atenção maior para temas como a solidão e o orgulho. Por ser um filme ancorado em uma relação delicada, Saoirse Ronan e Kate Winslet são boas escolhas para interpretar o casal recluso, mas ainda que as duas sejam ótimas atrizes, há uma sensação de distanciamento causada pela falta de diálogos ou representações visuais para fortalecer o drama das duas, o que nos deixa com atrizes que poderiam fazer algo incrível, mas não parecem ter um material bom o suficiente para interpretar. 

Isso se dá por um enredo quase formulaico, seguindo as batidas da trama que você provavelmente esperava de uma narrativa como esta. Mas ainda que a estrutura previsível seja permissível, é a direção fria de Lee que falha na caracterização de suas personagens. Em certo ponto, ele parece acreditar que apenas sequências de carícias e uma cena mais sensual são o suficiente, mas em toda a rodagem do filme, com exceção talvez dos minutos finais, fica difícil embarcar no relacionamento sem uma emoção capaz de sustentar a trama. 

Mesmo sem peso dramático, há uma dinâmica entre elas que ao menos fortalece os temas do filme, por menos sutis que sejam. No começo, a necessidade de Anning em realizar seu trabalho sozinha faz com que ele seja realizado de forma precária, o que muda com a chegada de Charlotte, uma auxílio conveniente que passa a permitir que a paleontóloga se sinta mais vulnerável. Momentos como esse poderiam ser melhor explorados, mas na maior parte do filme são símbolos óbvios como uma borboleta presa em um copo de vidro ou moscas mortas perto de uma janela que servem para evidenciar os temas do longa.

O orgulho e a solidão imposta pela personagem de Winslet são o que compromete sua felicidade romântica, o que a deixa dividida entre sua procura por amor e pela própria identidade como cientista, um mundo dominado pelos homens. Quando o filme se empenha em debater esse aspecto, facilmente o mais envolvente, já parece tarde demais, e por isso terminamos a obra sem muitas lembranças do drama principal, mas com uma enorme vontade de pesquisar e conhecer melhor a vida de Mary Anning.

Ammonite tem uma direção de arte competente, uma fotografia fria que ambienta o espectador muito bem, e vale destacar o excelente trabalho de som, principalmente na forma como utilizou o volume do mar, mas por mais belo e eficaz que seja na superfície, Winslet e Ronan poderiam ser melhor aproveitadas, nos deixando com uma obra tão distante e sem paixão quando suas personagens.

Ammonite – EUA, 2020
Diretor: Francis Lee
Roteiro: Francis Lee
Elenco: Kate Winslet, Saoirse Ronan, Sarah White, Liam Thomas, Sam Parks, Gemma Jones, Fiona Shaw, Claire Rushbrook, Alec Secareanu, James McArdle, Nick Pearse
Duração: 120 min.

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