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Crítica | Amigos Para Sempre

por Iann Jeliel
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Amigos Para Sempre

O fenômeno francês conseguiu seu status de grande bilheteria mundo afora apostando numa premissa universal e básica de uma história de amizade entre contrastes sociais, o negro ex-presidiário impulsivo e o branco multimilionário culto. Hollywood deve ter ficado com inveja do sucesso de Intocáveis e decidiu recriar a história real do ponto de vista americano. Por mais que Amigos Para Sempre seja uma refilmagem não necessária, é executada seguindo o pretexto de um bom remake, oferecendo a mesma essência do anterior com uma abordagem condizente com o cenário e a proposta específica.

Essa que é mais didática e bastante mastigada até, mas funciona, pois aproveita melhor as subtramas que circundam os personagens, deixando a formação da amizade mais crível no texto. O original dependia mais da dinâmica dos atores para se estabelecer, o que não era algo problemático, mas evidenciava uma de suas fragilidades em não encorpar os entornos sociais de ambos os personagens com clareza para além dos estereótipos. Não que aqui eles sejam tratados com complexidade, mas há um cuidado singular na inserção das motivações para cada ato, além de uma brecha para conflitos mais explícitos entre os dois, o que às vezes faltava no clima mais ameno do francês.

A dinâmica deles funciona a passos que se complementam de forma superficial, no bom sentido da palavra, já que a ironia de ver tantas características em comum em pessoas tão distintas fortalece ainda mais a comédia de diferenças e os pontos de virada mais emocionalmente carregados. O cerne dramático está em como eles irão se relacionar e como isso irá afetar a maneira com que cada um lida com o curso de sua condição social. É um território fácil para cair em apetrechos manipulativos baratos de melodramas para fazer chorar, e por algumas mudanças pontuais de enredo, nesta versão isso até ocorre, mas não de um modo prejudicial.

A maioria das diferenças na história são pontuais e bem-vindas, embora a repetição das cenas mais marcantes não surja com o mesmo impacto, até pelo déjà vu, mas principalmente por se mostrar forçada em meio à nova concepção narrativa em que não cabia. O maior charme está na dupla de elenco, que não se limita a meramente copiar a personalidade da anterior e cria com base nela a sua própria. Bryan Cranston inevitavelmente está ótimo – ele sempre está –, mas surpreendentemente quem está melhor ainda é Kevin Hart, demonstrando um potencial dramático poucas vezes visto em suas performances, em uma direção segura e bem direcionada ao elenco, o ator descasca as camadas do personagem de modo bastante autêntico.

Diferente do original, este funciona muito mais no drama que na comédia, apesar de no campo cômico também ser bom, com Kevin Hart num nível bem contido e pontual de extravagância, que pode até ter a naturalidade de um Omar Sy, mas se sai bem com o seu carisma característico alavancado pela química com o Bryan. Essa força vem de uma construção panorâmica mais ampla, tratando-se de personagens secundários, todos têm uma dimensão tridimensional e não parecem apenas utensílios de trama. Mesmo quando são, isso fornece novidades, como o par românico do cadeirante que dá as caras mais cedo para fornecer um aprofundamento mais intrigante aos sentimentos de Phillip. Além de Nicole Kidman, que traz traços mais específicos a Yvonne Pendleton, um background robusto e não só complementador do protagonista.

Em suma, Amigos Para Sempre certamente não tem um frescor memorável e diferente, até por não ser um filme novo, mas também não se dispõe a isso. Enquanto dura, ele consegue – por meio de uma execução cuidadosa – recriar a alma do anterior e ser também muito envolvente no jeitinho americano. Para quem já assistiu ao francês, deixe o preconceito de lado, desligue o senso nostálgico comparativo e dê uma chance. Para quem ainda não viu, fica a oportunidade de uma sessão dupla deliciosa, especialmente pela complementação de qualidades dramáticas e cômicas de cada um. É para fazer qualquer um se apaixonar ainda mais por essa grande amizade do cinema.

Amigos Para Sempre (The Upside / EUA, 2017)
Direção:
Neil Burger
Roteiro: Jon Hartmere, Éric Toledano, Olivier Nakache.
Elenco: Kevin Hart, Bryan Cranston, Nicole Kidman, Genevieve Angelson, Aja Naomi King, Julianna Margulies, Rachel Alana Handler, Tate Donovan, Golshifteh Farahani, Jahi Di’Allo, Michael Quinlan.
Duração: 126 minutos

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