Há quem diga que se manter as expectativas baixas é mais fácil de não se decepcionar, porém, isso parece não funcionar para encarar American Horror Story e o nível de ruindade que Ryan Murphy insiste em aplicar a cada nova temporada. A boa notícia é que o ciclo inédito será exibido com episódios duplos e assim dará adeus mais rápido, a má notícia é que são dois episódios para assistir semanalmente, e se depender do que foi apresentado nesse início, o circo de horrores que Murphy inventa não será tão diferente do anterior ou conseguirá ser pior?
Como o subtítulo da temporada indica, o cenário da vez é o da cidade de Nova York, e como pano de fundo, a história se passa na década de 80 em meio a uma onda de assassinatos brutais contra homossexuais e a chegada de um vírus mortal entre animais que precisa ser contido antes que atinja seres humanos. Dessa forma, é a lógica por onde pavimenta o título do primeiro episódio Something ‘s Coming: algo está acontecendo e parece ser apenas a ponta de um grande iceberg.
De um lado, as temáticas trazidas por Murphy São sempre muito promissora, afinal, é interessante trazer um submundo queer num recorte oitentista, mas para compor o mote do terror temos aqui uma representação sobre a violência e homofobia através de um homem trajado com fantasias de BDSM. Em alguns momentos essa caracterização e execução das cenas lembram o fraco slasher Hellbent, filme onde quatro amigos gays se tornam alvos de um assassino mascarado durante uma festa de Halloween, a diferença é que NYC parece mais centrada ao mesclar terror a uma caricatura de Parceiros da Noite. Para disfarçar essa reprodução descarada, Murphy insere no roteiro a descoberta de um vírus em veados que claramente serve de alusão ao surgimento de doenças sexualmente transmissíveis.
Algo está chegando e Murphy não sabe como equilibrar na balança o terror da violência atingindo o submundo de homens gays e a desenfreada busca por sexo e parceiros durante a noite. Aliás, aqui vai um ponto fraco da produção que não consegue dar personalidade e convencer da retratação que pretende contar, uma vez que a inspiração da temporada em Cruising é inegável, porém, faltou mais ambição do que emular a fotografia opulenta e intensa de James A. Contner a básicos filtros azuis e vermelhos de Stanley Fernandez Jr.
Dividindo a narrativa em três arcos principais, quem melhor sobressai e demonstra ao menos o mínimo de carisma é Adam (Charlie Carver), que inconformado pelo desaparecimento de seu amigo perante a falta dos esforços da polícia para solucionar o caso, decide buscar alternativas. Talvez, se mantivesse Adam como único protagonista, NYC tivesse êxito em trazer uma história familiar, mas com a graça de ser carismática e interessante, contudo, o que temos é ainda mais inspiração de Parceiros da Noite, onde Patrick Read (Russell Tovey) seria o policial Steve Burns (Al Pacino) com o grande dilema entre sair do armário ou seguir a carreira no departamento de cidade. Além disso, uma terceira figura viciada em sadomasoquismo surge em representação da contradição da comunidade enquanto um agravo de violência está crescendo e sendo pouco discutido.
O maior problema nessa estreia de temporada está na ausência do texto em incrementar esse submundo e suas discussões. As referências são claras, mas nada consegue empolgar visto a forma instantânea com a qual as ideias vão sendo apresentadas e debatidas. Parece mesmo muito simples que com apenas dois episódios a síntese de NYC é traçar uma alegoria de terror sobre a homofobia, mas não há nuances, desenvolvimento de personagens ou esforço em dimensionar esse universo além da obviedade e os diálogos meramente expositivos e sem emoção.
Enquanto o primeiro episódio dirigido por John J. Gray tenta situar as ameaças, o segundo, com direção de Max Winkler, teve a missão de trabalhar melhor os personagens e ambos falham em tornar essa introdução minimamente interessante. No geral, há um excesso de ideias espalhadas numa execução confusa e rasa que mais parece uma trama saída de CSI com direito a canetadas gratuitas do Murphy, e a julgar pelos títulos dos próximos episódios, estamos diante de histórias com linhas de tempos diferentes que serão conectadas no final, resta esperar ou se iludir de que até lá terá um esforço além de mais uma história de terror limitada pelo método Murphy.
American Horror Story: NYC – 11×01 e 02: Something’s Coming e Thank You For Your Service (EUA – 2022)
Direção: John J. Gray (Something’s Coming) e Max Winkler (Thank You For Your Service)
Roteiro: Ryan Murphy, Brad Falchuk (Something’s Coming) e Manny Coto, Charlie Carver, Ned Martel (Thank You For Your Service)
Elenco: Russell Tovey, Joe Mantello, Billie Lourd, Denis O’Hare, Charlie Cover, Sandra Bernhard, Isaac Powell, Zachary Quinto, Patti LuPone, Jared Reinfeldt, Kyle Beltran, Quei Tann, Clara McGregor, Hale Appleman
Duração: 42 min (cada episódio)