- Há spoilers. Leiam, aqui, a crítica dos episódios anteriores.
Fiz o que qualquer pessoa sensata deveria fazer quando se depara com uma série cheia de problemas de bastidores e joguei minhas expectativas lá no chão na esperança de me surpreender de alguma forma nesta 3ª temporada de American Gods. Mesmo tendo começado bem, o que veio em seguida foi só decepção mesmo considerando minha “técnica”, com o novo showrunner, Charles H. Eglee, basicamente repetindo tudo o que veio antes, só que do jeito dele, o que, a essa altura do campeonato, fica difícil de justificar.
Em seu quarto episódio, aquela metáfora batida que usei em minha crítica anterior, do carro atolado na lama girando a roda incessantemente e, no processo, sujando tudo ao redor, é perfeitamente aplicável mais uma vez, com o agravante que, de tanto girar a roda, formou-se um buraco capaz de tragar tudo lá para dentro. Entre Odin ainda tentando “libertar” Deméter para abocanhar o dinheiro dela, com direito a uma sequência com Marilyn Manson em um bar que parece completamente perdida, como se o montador não soubesse onde encaixá-la e Laura no Purgatório sem qualquer função narrativa que não seja adicionar intermináveis minutos à duração do episódio, algo que continua mesmo quando ela ressuscita, a impressão que deu é não há mais uma história sendo contada e tudo o que restou são fragmentos filmados reunidos de qualquer maneira para dar impressão de uma narrativa.
É bem verdade que a continuidade do resgate de Bilquis por Shadow Moon, com a resolução simplória do cliffhanger de Ashes and Demons, dá esperança de que algo interessante acontecerá, basicamente a única coisa que manteve meu dedo longe, mas não tanto, do fast foward. O problema é que mesmo nesse lado da narrativa, o roteiro de Nick Gillie é desconjuntado, atirando para todos os lados com o capanga do Bill Gates… ops, Bill Sanders sendo interrogado por Shadow e o insuportável do Garoto Técnico em uma ponta, Mrs. World desnecessária e incompreensivelmente revertendo à forma de Mr. World (tinha alguma cláusula no contrato de Crispin Glover obrigando sua aparição?) para mais uma vez tentar atrair Bilquis para seu lado (não é só Odin que age igual em todos os episódios…) em outra ponta e, como se isso não bastasse, o prelúdio dos Orixás sendo inserido efetivamente na história com a aparição de Oxun (Herizen F. Guardiola) para a deusa aprisionada em uma terceira ponta. Parece uma tentativa desesperada de cobrir todas as bases, novamente dando a impressão de progressão narrativa, mas que fica só na impressão mesmo, sem que consigamos sentir algo mais relevante do que sono pelo que está acontecendo.
The Unseen tem ainda o azar de não se beneficiar da beleza estética que marca a série. No episódio, os cenários são áridos como a prisão cinza de Bilquis ou escuros como o bar onde Odin é adorado e, quando o CGI é usado com mais peso, o resultado é aquela coisa horrenda que foi o Garoto Técnico virar massinha de modelar colorida ou sei-lá-o-que-foi-aquilo… Nem mesmo o preâmbulo que começa muito interessante conectando a fundação dos EUA com a escravidão tem um destino melhor, pois o didatismo imperou e, quando a crítica socioeconômica começou a realmente ficar interessante, os escravos foram convertidos em personagens de contos de fada, como se toda a pegada mais violenta e mais assertiva da temporada anterior tivesse sido censurada, o que mais uma vez empresta ares de verdade às alegações de Orlando Jones quando ele foi demitido da produção.
Meu fiapo de esperança é que Eglee siga religiosamente o Manual Internacional de Produção de Séries e faça do quinto episódio, que marca a metade da temporada, algo que estabeleça uma reviravolta que consiga justificar a existência da série, finalmente retirando-a do atoleiro em que se encontra. Mas, claro, nada de esperar algo grandioso ou realmente memorável. Afinal, a regra é baixar as expectativas – agora ainda mais – para que se possa até mesmo afirmar que ver Ian McShane “com os balangandãs de fora”, como dizia minha avó, foi divertido…
American Gods – 3X04: The Unseen (EUA, 31 de janeiro de 2021)
Showrunner: Charles H. Eglee
Direção: Eva Sørhaug
Roteiro: Nick Gillie
Elenco: Ricky Whittle, Ian McShane, Emily Browning, Yetide Badaki, Bruce Langley, Omid Abtahi, Ashley Reyes, Dominique Jackson, Eric Johnson, Julia Sweeney, Lela Loren, Peter Stormare, Andi Hubick, Cloris Leachman, Erika Kaar, Denis O’Hare, Blythe Danner, Crispin Glover, Marilyn Manson, Herizen F. Guardiola
Duração: 50 min.