Ambição Acima da Lei (cujo título original é Posse) foi o segundo e último filme dirigido por Kirk Douglas, que dois anos antes, em 1973, assinou Scalawag – As Aventuras de um Velhaco, também um faroeste. Diante do fracasso de bilheteria e da recepção entre regular e negativa da crítica, Douglas resolveu manter-se apenas na produção e na atuação dali para frente. Interpretando o papel principal em Posse, de um delegado com pretensões políticas que, na verdade, visava favorecer os acionistas da companhia de trens, o ator e diretor cria um cenário que segue a cartilha dos faroestes questionadores e um tanto cínicos dos anos 1970, fazendo cair as máscaras dos autoproclamados “homens de bem“, exibindo para todos o quanto escondiam ser tão ruins quanto os bandidos que prometiam combater.
Candidato ao Senado dos Estados Unidos, o delegado Howard Nightingale (Kirk Douglas) segue à caça de um perigoso bandido, líder de uma gangue famosa no Texas. O roteiro cria uma progressiva marcha de pessoas, mostrando a fuga e a perseguição em diferentes estágios e por diferentes pontos de vista, embora tudo acabe centralizado em Howard e no bandido que ele precisa prender para garantir sua eleição, o debochado e inteligentíssimo Jack Strawhorn (Bruce Dern, em uma divertida e leve construção de personagem). A dinâmica entre policial e fora-da-lei irá gerar uma das cenas mais interessantes do filme, numa tomada noturna, quando o candidato visita o seu prisioneiro e trava com ele uma breve, mas muito reveladora conversa. Ambos possuem ambições e são estrategistas de primeira, com a diferença que Jack veste a carapuça de bandido, enquanto Howard exibe a sua faceta de policial ilibado e futuro político limpo, com intenção de atender aos interesses do povo.
O título em português deste filme dá uma impressão bem mais megalomaníaca para o que de fato temos na tela, mas é fato que a ambição do delegado-candidato é forte o bastante para, sempre que necessário, suplantar a lei e fingir que “não há nada demais nisso“. Há um pouco de Maquiavel na construção desse personagem, e Kirk Douglas guia isso com grande competência, fazendo Howard passar pela fase de respeito, para depois jogá-lo na lama moral, assim que suas intenções ficam claras. O encerramento mostra que a população, quando está muito encantada por uma figura punitivista, demagoga, ambiciosa, moralista e narcisista, opta por ignorar problemas ligados a seu “político ou homem da lei de estimação” apenas para ver a “ordem” chegar ao poder e supostamente consertar a crise do momento. Isso, aliás, é algo perfeitamente identificável em qualquer democracia contemporânea. Mas tudo muda quando a essência desse tão adorado “punidor de respeito” é escancarada, principalmente quando ele perde o posto que ambicionava conquistar. A coroação disso vem com a figura patética e risível de Kirk Douglas chorando e gritando, enquanto o povo da cidade vira-lhe as costas.
Fora a atuação dos protagonistas e do jornalista vivido por James Stacy (num papel pequeno, mas muito bem interpretado), o filme não tem um elenco com interpretações constantemente interessantes e nem uma direção que consegue mostrar a problemática na tela com plena organicidade. Isoladamente, o filme tem ótimas cenas e sequências, mas seu encadeamento narrativo não avança para algo mais refinado e a própria derrocada dos mocinhos, quando percebem quem de fato é o seu líder, parece rápida demais. A construção da desconfiança vem num momento avançado da trama, fazendo o final do filme parecer corrido ou até “demasiadamente fácil”. No processo, a música do grande Maurice Jarre se destaca e chega a dar um grande suporte para muitas cenas, especialmente no final. Outros momentos, porém, mesmo com boa música, são dispensáveis, como a “sequência das cucarachas” e os momentos libidinosos dos homens da posse de Howard com algumas mulheres locais — embora isoladamente possamos fazer uma leitura muito boa sobre mais uma máscara social sendo retirada.
Posse é um filme bem mais político do que parece, e a despeito da direção nada polida de Kirk Douglas, reflete tão bem o tempo histórico, que sua temática sobrevive facilmente, conseguindo, em muitos aspectos, fazer mais sentido ainda no século XXI. Para nossa tristeza, algumas constituições sociais, num determinado sistema, simplesmente não mudam, e não raro aqueles que antes eram temidos por estufarem o peito e se dizerem defensores da lei e da ordem, acabam revelando-se ícones da corrupção.
Ambição Acima da Lei (Posse) — EUA, 1975
Direção: Kirk Douglas
Roteiro: William Roberts, Christopher Knopf, Larry Cohen
Elenco: Kirk Douglas, Bruce Dern, Bo Hopkins, James Stacy, Luke Askew, David Canary, Alfonso Arau, Katherine Woodville, Mark Roberts, Beth Brickell, Dick O’Neill, William H. Burton, Louie Elias, Gus Greymountain, Allan Warnick, Roger Behrstock, Jess Riggle, Stephanie Steele, Melody Thomas Scott, Dick Armstrong, Larry Finley
Duração: 92 min.