Ama-me com Ternura – mais lembrado, por razões óbvias, por seu título em inglês, Love Me Tender – tem uma curiosa história de bastidores, pois casou e “se confundiu” com o efetivo começo do sucesso explosivo de Elvis Presley no cenário musical, tendo sido profundamente modificado por ele. Afinal, a versão original do filme era um faroeste dramático que se chamaria Os Irmãos Reno e que não conteria a música que se tornaria seu título ou qualquer outra do Rei do Rock ‘n Roll. Não que Elvis já não fosse conhecido nos EUA, pois ele sem dúvida era, mas o ano de 1956 foi particularmente importante em sua carreira em razão dos singles muito bem-sucedidos do ano anterior que levaram às suas aparições na TV e lotação de shows, além do lançamento de seus dois primeiros álbuns completos em um intervalo de apenas oito meses.
A balada Love Me Tender, na verdade um reaproveitamento de melodia original criada em 1861 por George R. Poulton para a canção Aura Lea (ou Aura Lee), foi um estrondo tão grande nas paradas musicais quando lançada em setembro de 1956 que o filme não só foi imediatamente rebatizado, como ele foi reescrito de forma a permitir a inserção de performances de Elvis não só de Love Me Tender, como também de três outras, Let Me, Poor Boy e We’re Gonna Move, o que garantiu o sucesso da fita e automaticamente estabeleceu o cantor como uma estrela de Hollywood que teria uma meteórica carreira de nada menos do que 31 longas de ficção em 13 anos, até 1969. Foi um interessantíssimo e raríssimo caso de polinização cruzada entre artes que não poderia ter dado mais certo.
O filme, dirigido por Robert D. Webb, começa no dia seguinte ao fim da Guerra Civil americana, com o batalhão confederado comandado por Vance Reno (Richard Egan, ator que por vezes parece um clone de Charlton Heston), ignorante da rendição, e que conta também com dois de seus irmãos mais novos, Brett (William Campbell) e Ray (James Drury) roubam um trem ianque, levando o soldo de um regimento de soldados do norte. Quando eles descobrem que o conflito acabou, decidem dividir o dinheiro entre eles como espólios de guerra, com cada um, então, retornando para seus respectivos lares. No entanto, também sem eles saberem, os irmãos Reno haviam sido dados como mortos há anos, e, ao voltarem para casa, encontram seu irmão caçula Clint (Presley) casado com Cathy (Debra Paget), que fora namorada de Vance e com quem ele ainda tinha esperança de se casar. O dramalhão então se estabelece entre a honra de Vance de um lado e os ciúmes de Clint de outro, o que só é agravado com a tentativa do governo reunificado de reaver o dinheiro roubado.
Depois da sequência inicial do roubo de trem, o filme anda consideravelmente devagar, somente apressando o passo quando Vance, Brett e Ray são presos e Clint, com a ajuda de alguns soldados amigos de Vance, partem para o resgate, levando a uma sucessão quase interminável – mas divertida justamente por isso – de desencontros e desentendimentos entre todos os envolvidos, com um daqueles finais trágicos que segue a lógica do longa, mas que é tantas vezes telegrafado que acaba cansando. Entre reuniões familiares, segredos, lágrimas e sorrisos, há tempo para Elvis Presley pegar no violão algumas vezes para cantar com aquela sua boca mole e dançar daquele seu jeito único (que ele copiara do jovem Forrest Gump, como todo mundo sabe) em sequências que muito claramente param o longa de maneira artificial e, na primeira vez, por tempo demais, quase como se o diretor tivesse se esquecido de continuar o filme. São momentos razoavelmente estranhos, mas ao mesmo tempo clássicos e que, com algumas honrosas exceções, marcariam o estilo de praticamente todos os filmes estrelados pelo cantor.
A fotografia em preto e branco de Leo Tover usa forte contraste para marcar bem as cenas claras e escuras, com um bom uso de tomadas externas gerais que capturam a beleza da região, dando a impressão de isolamento da família Reno, especialmente quando eles precisam fugir das autoridades. Por outro lado, a montagem de Hugh S. Fowler tem muita dificuldade para lidar tanto com passagem temporal como como distâncias, o que acaba criando uma falta de lógica interna nesses quesitos que chega a ser engraçada e que precisa ser relevada pelo espectador que quiser ter alguma chance de apreciar o drama de irmãos separados que se unem apenas para entrar em guerra novamente.
Em termos de elenco, apesar do esforço de Richard Egan para destacar-se como protagonista, a grande verdade é que hoje em dia, assim como provavelmente foi em 1956, é impossível não ter os olhos focados em Elvis Presley. Egan funciona em certa medida como homem altivo e apaixonado capaz de sacrifícios pelo irmão – apesar de ser razoavelmente canastrão – mas não tem jeito e Presley atrai toda a atenção seja por seus números musicais, seja por sua aparência jovial clássica ou seja por sua vã tentativa de não parecer Elvis tentando parecer outra pessoa. Afinal, separar Elvis de Clint é como não enxergar Madonna em Evita, com o agravante de o Rei, nessa sua estreia, ainda estar tateando na arte de atuar, algo que ele, temos que convir, nunca dominaria completamente.
No final das contas, Love Me Tender é um faroeste que é quase um dramalhão mexicano, mas que tem seu status automaticamente elevado por ser a estreia de Elvis Presley no Cinema no mesmo ano em que sua carreira musical deslancharia dramaticamente. Entre caras e bocas de Presley e de Egan, olhares ou lânguidos ou chorosos de Paget e os vários tiroteios, o que fica mesmo, lá no fundo, são os números musicais de um dos mais importantes cantores dos Estados Unidos.
Ama-me com Ternura (Love Me Tender – EUA, 1956)
Direção: Robert D. Webb
Roteiro: Robert Buckner (baseado em história de Maurice Geraghty)
Elenco: Richard Egan, Debra Paget, Elvis Presley, Mildred Dunnock, William Campbell, James Drury, Neville Brand, Russ Conway, L. Q. Jones, Robert Middleton, Bruce Bennett, Ken Clark, Barry Coe, Paul E. Burns, Dick Sargent
Duração: 89 min.