Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Alien: A História Ilustrada

Crítica | Alien: A História Ilustrada

Uma estratégia de marketing transformada em obra-prima.

por Ritter Fan
1,9K views

Fruto da brilhante mente estratégica de Charles Lippincott, um dos heróis esquecidos responsáveis pelo gigantesco sucesso de Guerra nas Estrelas que não só foi injustamente demitido por George Lucas, como também solenemente ignorado pelo cineasta até o falecimento do especialista em marketing em 2020, Alien: A História Ilustrada é a primeira HQ do universo Alien e uma das primeiras e mais célebres adaptações em quadrinhos de obras cinematográficas, especialmente se levarmos em conta que, diferente de exemplos anteriores, inclusive o do próprio começo da saga de Luke Skywalker, a obra foi publicada no mesmo mês do lançamento do filme como uma graphic novel única de 64 páginas pela famosa editora britânica Heavy Metal depois da publicação de dois teasers em edições anteriores da revista.

Como se não bastasse ter Lippincott por trás do uso de outras mídias para alavancar obras cinematográficas, Alien: A História Ilustrada é, também, uma obra diferenciada por sua impressionante qualidade tanto de roteiro quanto de arte, estando literalmente em um patamar próprio de grandes expoentes na categoria de adaptações em quadrinhos de filmes. Aliás, não creio ser exagero afirmar que, mesmo desconsiderando sua natureza e, claro, sua função primordialmente publicitária, a graphic novel escrita por Archie Goodwin e desenhada por Walt Simonson, duas lendas nos quadrinhos, é uma obra que fica de pé como uma criação independente sensacional, uma verdadeira maravilha da arte sequencial que merece destaque e admiração em qualquer coleção.

Criada em uma época em que esse tipo de adaptação ainda era levada a sério, mesmo quando publicada a destempo (vide o trabalho de Jack Kirby com 2001 – Uma Odisseia no Espaço três anos antes), o roteiro de Goodwin, que não sem querer trabalhara como consultor editorial na já citada adaptação em quadrinhos de Guerra nas Estrelas, foi galgado no roteiro escrito por Dan O’Bannon, ainda que não exatamente na versão efetivamente filmada, já que o então quase completamente novato Ridley Scott promoveu alterações até o último segundo e também durante as filmagens. Mesmo assim, ambos materiais são muito próximos, com apenas algumas cenas diferentes – notadamente uma em que Ripley pergunta à Ellen se ela já transara com Ash, parte de sua desconfiança de que havia algo errado com o oficial de ciências, mas que leva à implicação de que as duas mulheres já haviam dormido com todos ali da nave -, mas é impressionante notar como Goodwin é capaz de extrair a essência do que foi levado à tela, trabalhando com o enxugamento textual sem perder absolutamente nada da história.

Simonson, por seu turno, teve acesso não só às fotografias e artes da produção, como também a um corte ainda inacabado do filme, o que o ajudou a se inspirar nas criações do designer americano Ron Cobb (naves e tecnologia terrestres), do artista plástico suíço H.R. Giger (naves, tecnologia e biologia alienígenas) e de seu colega de profissão francês Jean Giraud, mais conhecido como Moebius (trajes espaciais), para o filme. No entanto, inspiração é a palavra chave aqui, já que Simonson não ficou completamente amarrado pelas magníficas criações dos respectivos artistas, muito claramente imprimindo o seu estilo aos desenhos e beneficiando-se tremendamente do espaço e da liberdade que o texto econômico de Goodwin lhe permitiu, o que tornou possível ele usar páginas duplas e páginas inteiras para lidar com sequências importantes no longa, como o momento em que Dallas e equipe veem a nave alienígena pela primeira vez e, claro, a explosão do peito de Kane para a saída do simpático monstrinho.

Além disso, o desenhista esmerou-se em trabalhar os personagens com feições que lembram os respectivos atores, mas sem, novamente, fazer algo totalmente preso a elas. E, seguindo a linha de obras revolucionárias dos quadrinhos como as de Will Eisner (Um Contrato com Deus fora publicado um ano antes), Simonson também não se fez de rogado ao defenestrar, tanto quanto possível (ou seja, bem menos do que Eisner na citada obra), o uso dos tradicionais “quadros” margeados de branco, as chamadas sarjetas, o que tornou possível estabelecer uma grande fluidez à história, com quadros sangrando um para o outro com excelentes efeitos cinematográficos, além de facilitar desenhos maiores quando necessário, notadamente no momento em que o Space Jockey aparece ou quando vemos a decolagem da Nostromo do planeta que, depois, seria batizado como Acheron ou LV-426.

Mas talvez o aspecto mais “diferente” da graphic novel em relação ao filme seja a paleta de cores usada primordialmente por Louise Jones (que, no ano seguinte, depois de casar com Walt, assumiria seu sobrenome). É perfeitamente compreensível que alguém que pegue a HQ para ler nos dias atuais estranhe a quase onipresença de cores quentes e frias em tonalidades fortes – o laranja, o vermelho, o azul, o verde – que afastam visualmente a adaptação da pegada sombria e lúgubre do longa de Scott. No entanto, mesmo reconhecendo que, no filme, a fotografia de Derek Vanlint foi perfeita para o longa, não tenho como deixar de admirar a ousadia da subversão proposta e executada pela colorista que, também não tenho como não afirmar, foi perfeita para a HQ, reiterando que adaptações são muito melhores quando não são transliterações.

Alien: A História Ilustrada pode ter nascido como parte de outra estratégia vencedora de marketing do absurdamente “esquecido” Lippincott, mas tornou-se muito mais do que isso, uma obra que não só passou com honras pelo teste do tempo, como tornou-se inspiração das mais variadas maneiras para grandes artistas de quadrinhos que floresceriam nos anos 80, mudando a indústria para sempre. Não é sempre que uma adaptação em quadrinhos de um filme ganha vida própria, mas esta aqui não só conseguiu essa proeza, como mantém-se firme como possivelmente a melhor já feita.

Alien: A História Ilustrada (Alien: The Illustrated Story, 1979)
Roteiro: Archie Goodwin (baseado em roteiro cinematográfico de Dan O’Bannon e história de Dan O’Bannon e Ronald Shusett)
Arte: Walt Simonson (Walter Simonson)
Cores: Walt Simonson (Walter Simonson), Louise Simonson, Deborah Pedlar, Polly Law, Bob Lerose
Letras (e design): John Workman
Editoria: Charles Lippincott
Editora original: Heavy Metal Communications (Editora Heavy Metal)
Data original de publicação: junho de 1979
Editora no Brasil: Editora Excelsior
Data de publicação no Brasil: 12 de setembro de 2019
Tradução para o português: Felipe CF Vieira
Páginas: 64

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais