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Crítica | Alguém Tem Que Ceder (2003)

Uma história de amores e contradições.

por Leonardo Campos
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Minha reflexão basilar após retomar Alguém Tem Que Ceder, duas décadas depois da primeira vez que tive a oportunidade de contemplá-lo numa lotada sala de cinema: a sociedade atual é marcada por uma série de desafios que envolvem questões de gênero, cultura e relacionamentos. Uma das discussões que ganham destaque é o tabu em torno do relacionamento de mulheres mais velhas e bem-sucedidas com homens mais jovens. Embora homens mais velhos frequentemente se relacionem com parceiras mais jovens sem grandes problemas, o contrário provoca reações variadas e, muitas vezes, negativas. Em primeiro lugar, a cultura patriarcal que permeia a sociedade tradicionalmente atribui à mulher um papel submisso, onde a juventude e a beleza são características valorizadas. Assim, o ideal feminino muitas vezes está ligado à sua aparência e ao desejo de agradar o homem, e não à sua autonomia ou sucesso profissional. Quando uma mulher mais velha assume uma posição de destaque e, ao mesmo tempo, se relaciona com um homem mais jovem, essa configuração desafia as normas tradicionais, levando a um questionamento do seu papel social. Essa quebra de estereótipos provoca desconforto e, quando trabalhadas na ficção, pode render narrativas ousadas e desafiadoras. Não é o caso por aqui, pois os caminhos escolhidos pela protagonista vão bem até poucos minutos finais.

Lançado em 2003, Alguém Tem Que Ceder é uma comédia romântica escrita, produzida e dirigida por Nancy Meyers. O filme, que homenageia uma canção de Johnny Mercer em seu título, acompanha Harry Sanborn, interpretado por Jack Nicholson, um playboy de 63 anos que, apesar de seu sucesso empresarial, tem uma libido que não acompanha sua idade, preferindo relacionamentos com mulheres bem mais jovens, geralmente abaixo dos trinta anos. Diane Keaton dá vida a Erica Barry, a protagonista, uma dramaturga de 56 anos, que vive com segurança em sua carreira e uma vida pessoal tranquila após um divórcio, mostrando-se uma mulher realizada, embora desencantada com o amor. Keanu Reeves protagoniza Julian Mercer, o médico de Harry, que é também admirador de Erica e desenvolve uma relação com ela ao longo da trama. Complementando o elenco, Amanda Peet surge como Marin Klein, a filha de Erica e uma leiloeira de 29 anos trabalhando na Christie’s. Frances McDormand aparece como Zoe, a irmã de Erica, que é professora de Estudos da Mulher na Universidade Columbia, uma coadjuvante de luxo que entrega alguns dos melhores momentos do enredo.

Cada personagem traz uma perspectiva única sobre amor, relacionamentos, bem como a busca por conexões, em diferentes estágios da vida, refletindo as nuances das comédias românticas estadunidenses, neste caso, uma que começa bem e termina de maneira questionável. Na trama, durante um final de semana na praia, Harry sofre um mal-estar e é obrigado a ficar sob os cuidados de Erica Barry, a mãe de sua namorada Marin, uma dramaturga de Nova York que, inicialmente, não se dá bem com ele. No entanto, Harry começa a desafiar suas crenças sobre relacionamentos e atração ao se apaixonar por Erica, que é significativamente mais velha que ele. A história se complica quando Harry se vê diante de seus próprios estereótipos e inseguranças, especialmente quando Julian, seu médico atraente e mais jovem, começa a demonstrar interesse por Erica.

Assim, Harry, que sempre teve controle sobre suas preferências amorosas, descobre um novo mundo ao explorar relacionamentos com mulheres maduras, enfrentando suas próprias limitações e preconceitos. Com essa estrutura, a narrativa explora temas de amor, aceitação e a complexidade das dinâmicas de idade nos relacionamentos, mas se alonga demais, passando das duas horas de duração, nos entregando um desfecho igualmente insatisfatório. Visualmente envolvente, a estética de Alguém Tem Que Ceder traz a assinatura de Michael Ballhaus na direção de fotografia, profissional que nos entrega belas imagens, captando o melhor do também eficiente design de produção Jon Hutman e dos figurinos de Suzanne McCabe. Na textura percussiva, Hans Zimmer entrega mais um de seus bons habituais trabalhos, numa produção que não carece em momento algum de fatores estéticos, ao contrário, é tudo muito cuidadoso, sendo seu grande problema, as ações e as linhas finais do roteiro.

Tudo bem, eu não tenho lugar de fala e já sei: o feminismo fala de escolhas. Mas na prévia de uma época de tantas mudanças, por quais motivos cristalizar a protagonista de Keaton como alguém alijada de melhores escolhas. Numa perspectiva comparada, parece que a diretora e roteirista leu Senhora, de José de Alencar, dando ênfase exclusivamente ao seu final. Impetuosa como Aurélia Camargo, a heroína de um contexto onde mudanças assim eram muito mais complexas, impossíveis até. Olha o que acontece com Anna Karenina no desfecho do romance russo para compreender melhor. Mas em plano século XXI, Meyers parece ter sido encorajada a assumir a covardia do seu texto dramático e entregar o final feliz convencional com Erica sendo “colocada em seu devido lugar”. Mesmo bem sucedida e atraente, apesar de falastrona e caótica em alguns momentos, a dramaturga deixa de lado o médico bonitão para ficar com o mulherengo reconstruído, afinal, é com ele que ela poderá ser feliz, alguém da sua idade e nível, numa trama que deve ser respeitada por suas escolhas, afinal, muita gente deve apoiar o final que, no entanto, perde uma grande oportunidade de ousar e dialogar com as complexidades dos relacionamentos humanos. Assim que o filme terminou, eu pensei: “uau, parece Senhora, mas fora de contexto e com encerramento muito mais apático e covarde”. Lamentável.

Alguém Tem Que Ceder (Somethingt’s Gotta Give) – Estados Unidos/2003
Direção: Nancy Meyers
Roteiro: Nancy Meyers
Elenco: Jack Nicholson, Diane Keaton, Amanda Peet, Keanu Reeves, Jon Favreau, Rachel Ticotin, Frances McDormand
Duração:128 min

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