É muito difícil que exista uma pessoa nascida após 1960 e que tenha tido um contato razoável com o mundo do cinema, ou, em tempos de conexão global, com qualquer paródia de séries como Os Simpsons (e similares), não conheça, já tenha ouvido falar, assistido ao menos à “cena do chuveiro” ou ouvido a trilha sonora lancinante de Bernard Herrmann para Psicose, o filme mais famoso e icônico de Alfred Hitchcock (tão famoso, que geraria uma continuação ‘divertida’ em 1983 chamada Psicose II; uma outra continuação, um pouco inferior à primeira mas ainda assim ‘divertida’, chamada Psicose III, uma espécie de pré-sequência [pasme!] também ‘divertida’ chamada Psicose IV: O início e um remake abominável em 1998. Isso sem contar, é claro, a série de TV Bates Motel, que mostra o início dos tormentos e ações de Norman Bates).
A história já foi revista, analisada, contada e recontada através dos anos, tendo passado por continuações, sátiras, paródias e homenagens, abrindo facilmente o seu caminho para o topo do imaginário popular cinematográfico. Trechos da Psycho Suite de Bernard Herrmann se tornou toque de celular; camisetas, cortinas de banheiro e toda uma série de produtos e lendas urbanas foram criados com base em Psicose, o que só corrobora a grandeza e o status emocional que o filme tem sobre o público, mesmo tantas décadas depois.
Diante de tamanha fama e impacto, é quase impossível para um espectador de hoje imaginar a gênese de Psicose como um filme “estranho”, de baixo orçamento, atípico na carreira de Hitchcock e realizado com uma barata equipe de TV. Financiado do bolso do próprio diretor e desacreditado desde o início pelos chefes dos Estúdios, Psicose foi um fenômeno que nem o Mestre do Suspense entendeu. E, para falar a verdade, é difícil para nós entendermos como uma obra conseguiu sobreviver a tanto tempo e ainda hoje, mesmo considerando as gerações que nasceram e cresceram na era dos massacres e rios de sangue esguichados na tela, se espantam e sentem medo ao assistirem ao filme.
Essas e outras reflexões nos são expostas pelo jornalista e escritor Stephen Rebello que em 1990 publicou o livro Alfred Hitchcock and the Making of Psycho, resultado de uma larga pesquisa realizada por ele durante alguns anos e o resumo de entrevistas concedidas a ele por Hitchcock e outros membros da equipe de produção de Psicose. A proposta de Rebello no livro era dissecar todo o processo que levou à produção cinematográfica, desde o contexto original, o assassino Ed Gein, e seguindo com ingredientes cruciais como o livro de Robert Bloch baseado no caso; os impasses criativos na carreira de Hitchcock à época, que vinha de uma sequência produtiva muito interessante nos últimos cinco anos (Ladrão de Casaca; O Terceiro Tiro; O Homem Que Sabia Demais; O Homem Errado; Four O’Clock (TV); Um Corpo Que Cai e Intriga Internacional); os roteiros; a pré-produção; a filmagem; a pós-produção; a publicidade; o lançamento e o impacto causado na carreira de seu realizador a partir de então.
Toda a pesquisa histórica e todos os detalhes sobre a manufatura de Psicose são de puro deleite para o leitor. No início, existe um grande incômodo em relação a abordagem que Rebello faz da agenda de pré-produção e início das filmagens (são muitos dias, semanas e meses narrados em forma um tanto caótica, o que confunde bastante e dá a impressão de incorreção de dados), mas ao reler alguns parágrafos e passar por essa parte, o público encontrará um lado pouco conhecido de Hitchcock, mesmo para aqueles que leram Hitchcock/Truffaut – Entrevistas. No livro de Rebello, temos contato não só com curiosidades, fofocas, intrigas e problemas inimagináveis ocorridos durante as filmagens de Psicose mas também um retrato extramente interessante de um Hitchcock visto por outras pessoas, um pouco fora das entrevistas, cinismo e deliciosa ironia que lhes eram tão típicos.
Se subtrairmos as construções de valores, julgamentos e opiniões pessoais do jornalista (com as quais é possível que a maioria dos leitores não concorde), teremos em Alfred Hitchcock e Os Bastidores de Psicose uma espécie de diário de filmagem analítico e rico em fontes, algo que certamente só irá aumentar a admiração do público em relação ao filme e é quase certeza que o obrigará a rever a obra novamente, agora com outros olhos.
Para finalizar, é importante dizer que a edição do livro lançada aqui no Brasil pela editora Intrínseca foi revisada por Rebello em 2011 e conta com um prefácio do autor datado de setembro de 2012, comentando sobre a produção do filme que teria o volume como base, o longa-metragem chamado Hitchcock (2012) de Sacha Gervasi, com Anthony Hopkins, Helen Mirren e Scarlett Johansson nos papéis principais.
Psicose prova que ainda pode dar muitos frutos.
Alfred Hitchcock e Os Bastidores de Psicose (Alfred Hitchcock and the Making of Psycho) – EUA, 1990
Editora (EUA): St. Martin’s Griffin
Autor: Stephen Rebello
No Brasil: Editora Intrínseca, 2013
Tradutor: Rogério Durst
256 páginas