Durante a Guerra Fria e mesmo depois, lá pelos anos 90, era razoavelmente comum encontrar filmes lidando com ameaças de apocalipse colocando as duas grandes potências mundiais frente a frente em situações limítrofe ou que iam além do limite. Entre sátiras como Dr. Fantástico, filmes juvenis como Jogos de Guerra, thrillers como Caçada ao Outubro Vermelho e outros mais pesados como O Dia Seguinte, a oferta era farta e constante. Isso, de certa forma, naturalmente arrefeceu lá por meados dos anos 90, ainda que sempre aparecessem exemplares aqui e ali. Alerta Lobo é um dos mais recentes membros desse clube que, de maneira refrescante, usa uma pegada minimalista para sua abordagem do tema e, melhor ainda, não só situa sua ação em um futuro muito próximo, ou seja, fugindo da caracterização clássica da Guerra Fria, como desloca o eixo da história para a Europa, colocando a França como nação supostamente ameaçada pela Rússia.
O primeiro longa escrito e dirigido pelo eclético Antonin Baudry, ex-dono da única loja de livros em francês em Nova York, quadrinista e diplomata, parte de um conflito aparentemente menor na costa da Síria que envolve uma operação francesa de infiltração com o uso de um submarino que parece ter um encontro com algum objeto subaquático misterioso e escala a narrativa para uma ameaça nuclear em solo francês que novamente retorna para o uso de submarinos para a construção de sua história que parece ser inspirada no famoso caso real de Vasili Alexandrovich Arkhipov, conhecido como o homem que salvou o mundo (pesquisem pelo nome se não conhecerem o interessantíssimo evento histórico). Inteligentemente, porém, Baudry mantém seu foco em um personagem apenas, o marinheiro especialista em sonar Chanteraide (François Civil) que é conhecido por tem um dom quase sobre-humano no que se refere à identificação de sons.
É seu aparente fracasso em detectar a ameaça no Mediterrâneo no preâmbulo do longa que não só leva à escalada bélica, que é sempre mantida off-screen, mas que convence o espectador de sua urgência e veracidade, como também o faz obsessivamente mergulhar em uma pesquisa não sancionada por seus superiores para descobrir onde é que foi que ele errou (ou não errou). A escolha de manter a narrativa acompanhando Chanteraide gera frutos imediatamente, até porque Civil tem uma atuação quase irritantemente retraída, sem arroubos emocionais e com um mínimo de diálogo, algo que o roteiro, aliás, é preciso em estabelecer e usa completamente a favor da história que é longe de ser didática, ainda que se valha de uma boa quantidade de termos técnicos para manter o realismo.
Mesmo com Chanteraide como ponto focal, o longa não desaponta nas sequências de ação. Seja na operação de recolhimento de soldados no início, seja na excelente e alongada sequência climática com dois submarinos no Mar do Norte, um deles com ordens presidenciais imutáveis para retaliar, Baudry mostra excelente capacidade de construir tensão, usando uma atmosfera procedimental detalhada sobre os protocolos da Marinha em situações como essa que muitas vezes lembram as obras do americano Tom Clancy.
O confinamento dos submarinos, ainda que nem de longe chegue aos pés do citado Outubro Vermelho ou, claro, do clássico dos clássicos O Barco: Inferno no Mar, é outro elemento que contribui para o realismo da narrativa, com a fotografia de Pierre Cottereau navegando muito bem por espaços mínimos. Cada submarino tem apenas uma seção, certamente para fins de orçamento, onde toda a ação se passa, normalmente com um número proporcionalmente grande de marinheiros, além do capitão. Esse “apertamento” todo, além de comandos sendo falados e repetidos a todo tempo, mensagens de rádio chegando e, lógico, os diversos sons do sonar, incluindo o “canto do lobo” como no título original, criam uma atmosfera desesperadora por si só que, somada à tensão do conflito nuclear inevitável, faz Alerta Lobo destacar-se naquela categoria de filmes que equilibra o minimalismo com construção narrativa cuidadosa.
A trilha sonora do dueto Tomandandy, já experts em filmes de baixo orçamento e com recente trabalho em Medo Profundo, é outro elemento cinematográfico que ajuda muito no desenvolvimento da tensão. Sem interferir na ação, mas contribuindo quase subliminarmente para a narrativa, a sincronização da trilha por Baudry é cuidadosa, sem telegrafar sequências e sem ditar como o espectador deve se sentir. Em um filme em que os mínimos sons fazem toda a diferença, a música alta intrusiva mataria todo o propósito e o diretor e os compositores souberam navegar muito bem por esse mar turbulento.
Alerta Lobo é sem dúvida familiar e por vezes previsível, mas essas características não deveriam ser automaticamente consideradas negativas. Muito ao contrário, Antonin Baudry as usa justamente para entregar uma obra moderna, ágil e inteligente que não subestima o espectador e que sabe usar o pouco que tem para obter resultados bem acima da média. Os silêncios tensos do longa são raros de se encontrar no cinema de ação de hoje em dia e o diretor mostra tino para fazer o mínimo tornar-se o máximo. Esta aí um nome novo que definitivamente merece ser acompanhado!
Alerta Lobo (Le Chant du Loup, França – 2019)
Direção: Antonin Baudry
Roteiro: Antonin Baudry
Elenco: François Civil, Omar Sy, Mathieu Kassovitz, Reda Kateb, Paula Beer, Alexis Michalik, Jean-Yves Berteloot, Damien Bonnard
Duração: 115 min.