Se alguém espera um novo Tropa de Elite em Alemão, sairá desapontado. Tropa de Elite aborda o conflito da polícia com os traficantes sob um ponto de vista mais exógeno e amplo, enquanto que Alemão, o novo filme de José Eduardo Belmonte (Se Nada Mais Der Certo, Billi Pig) tem um olhar endógeno, de dentro para fora e uma abordagem muito mais intimista, tendo como pano de fundo a retomada da comunidade do Alemão, no Rio de Janeiro, pela polícia e exército em 2010.
Uma comparação mais eficaz que se pode fazer é com Cães de Aluguel, primeiro longa metragem de Quentin Tarantino. Lá, como em Alemão, vemos uma narrativa confinada a basicamente um ambiente, com os protagonistas tendo que lidar com seus problemas, especialmente conflitos internos, da melhor forma possível. O lado de fora vem se fechando sobre eles, mas o cerne de Alemão está na tensão entre os cinco personagens principais, representando, talvez, o microcosmo da polícia.
Esse local confinado é o porão da pizzaria de Doca (Otávio Muller), dentro da comunidade, para onde convergem Samuel (Caio Blat), Danilo (Gabriel Braga Nunes), Branco (Milhem Cortaz) e Carlinhos (Marcello Melo Jr.) quando a identidade policial dos quatro é descoberta por Playboy (Cauã Reymond), o líder do tráfico, que põe a cabeça deles a prêmio. Doca, também policial, é o único que permanece incógnito. E é claro que logo o conflito interno passa a dividir o grupo.
E tudo isso se dá 48 horas antes da invasão do Alemão pela polícia para a retomada do controle da região, o que torna impossível o resgate dos policiais, contribuindo, assim, para uma situação sem saída. É nessa interação entre os cinco policiais que o filme se sustenta, ainda que cortes para a “cobertura” de Playboy e para a caçada empreendida por seu braço direito, Senegal (Jefferson Brasil), sejam constantes.
A história prende o espectador e o diretor, trabalhando o roteiro de Gabriel Martins, consegue com bastante fluidez apresentar cada um dos quatro policiais dentro da narrativa principal, mostrando onde cada um estava no exato momento em que os marginais descobrem suas identidades. Dessa forma, o espectador é fisgado para dentro da fita quase que imediatamente e a câmera na mão com cortes rápidos, dão a urgência que esse início precisa.
Não demora muito e o conflito entre os cinco se estabelece, com um desconfiando do outro, especialmente com os comentários paranoicos e ações violentas de Branco. Na metade do filme, Mariana (Mariana Nunes), faxineira de Doca, inadvertidamente entra no esconderijo e não pode mais sair, tendo que deixar seu filho sozinho em casa. A situação vai em um crescendo até o inevitável conflito final.
No entanto, o roteiro falha ao trabalhar os personagens, pois empresta a cada um deles características clichê, daquelas que vemos em todo filme do gênero. Temos o policial certinho, o nervoso, o dedicado, o ex-corrupto e o apaziguador. Temos também situações de início de romance e uma interminável sequência de coincidências – como quem exatamente é Mariana – que acaba tirando a surpresa da narrativa. Já vimos aquilo antes. Podemos prever cada segundo que virá a frente. Além disso, o estopim para a trama – a revelação da identidade dos policiais – se dá da maneira mais idiota possível, quase inacreditável. Esperamos uma explicação melhor do que simples incompetência, mas ela não vem.
E isso me leva a outro ponto: a incompetência. Fica claro no desenrolar da projeção que Belmonte não tinha qualquer intenção em mostrar o lado heroico de policiais infiltrados na favela. Até aí, sem problema, pois não cria, com isso, personagens irreais e exagerados. Mas a incompetência de tudo e de todos é impressionante. Desde o vazamento das identidades, passando pela mais absoluta desorganização dos cincos policiais que não conseguem fazer nada que não seja ficar escondidos discutindo entre si, até o delegado (Antônio Fagundes) que só sabe andar de um lado para o outro e falar no telefone, sem se esquecer dos bandidos, que não conseguem fazer nada dentro do próprio lugar que controlam, tudo é uma bagunça só. Entendo a necessidade de se criticar a polícia, mas o pano de fundo é justamente uma das operações mais complexas da história dessa organização e os policiais que protagonizam a fita são, em tese, de alto gabarito e, principalmente, gente que tem nitrogênio líquido correndo nas veias.
Com toda essa incompetência que o roteiro aborda (propositalmente, não tenho dúvida), acabamos, porém, testemunhando um desfecho vazio, que não significa muita coisa. Sacrifício? Senso de dever? Coleguismo? Quando o espectador tenta achar uma qualidade ou uma lição, acaba se deparando com o vazio. E há uma indecisão também em se criticar ou não a polícia. Por vezes o roteiro a história no caminho de elogiar a força policial, mas em outras, vemos uma crítica forte que, mais tarde, já nos créditos, se intensifica, com a utilização de imagens de abuso policial nas recentes manifestações públicas, em uma injusta forma de se manobrar o espectador e entrar no discurso mais “socialmente aceitável” – e execrável, por só olhar um lado – de se malhar tudo que é relacionado com a polícia.
De toda forma, é um vazio bem feito, com um pouco mais de câmera tremida e montagem desnorteante do que necessário e com uma mixagem de som que deixa a desejar (um traço comum em muitos filmes nacionais, aliás), mas, mesmo assim, a tensão criada é palpável e as atuações dos cinco principais convencem (não se pode dizer o mesmo, porém, de Cauã Reymond e de Jefferson Brasil). É um thriller policial que, se não chega aos pés de Tropa de Elite ou de Cães de Aluguel, não desapontará a plateia que estiver procurando diversão descompromissada.
Alemão (Brasil, 2014)
Direção: José Eduardo Belmonte
Roteiro: Gabriel Martins
Elenco: Antônio Fagundes, Cauã Reymond, Caio Blat, Gabriel Braga Nunes, Marcello Melo Jr., Milhem Cortaz, Otávio Muller, Mariana Nunes, Jefferson Brasil, Marco Sorriso, Aisha Jambo, Micael Borges
Duração: 109 min.