Abdullah (Kida Khodr Ramadan) é fiel aos seus rituais e a moral islâmica, e por isso cobra o mesmo de seus três filhos, mesmo que precise escolher uma abordagem mais rígida do que sua mulher, Emine (Beren Tuna), sempre compreensiva com os eles, principalmente os deslizes de Burak (Ismail Can Metin), um jovem em conflito com sua identidade e relação com a religião. Paralelamente, assistimos a jornada de dois irmãos procurando por trabalho e comida depois de se separar de seus pais e fugir de sua vila, tomada por fanáticos religiosos.
Segundo longa-metragem da diretora Esen Isik, o principal atrativo de Al-Shafaq está na adoção de um paralelismo narrativo. Assim, começamos o filme assistindo o trágico reencontro de Abdullah com o corpo de seu filho, criando assim uma linha temporal que alterna entre passado e presente para melhor contextualizar cada elemento do longa. O mesmo acontece com o personagem Malik (Ahmed Kour Abdo), que perde seu irmão em um atentado e fica sozinho, até encontrar Abdullah. Os dois criam um vínculo ao dividir o trauma da perda, assim a obra promete explorar temas complexos como culpa e reparação.
Mas ainda que a promessa seja tentadora, Isik têm problemas para abordar esses temas por conta do próprio formato. A princípio, Al-Shafaq tem a capacidade de trazer um estudo de personagem inteligente, considerando os tópicos que se propõe a debater e a ótima atuação de Kida Khodr Ramadan, que nos primeiros minutos consegue evidenciar a tristeza, indignação e aceitação da personagem em apenas uma cena. Contudo, ao estruturar a narrativa em uma linhas temporal não linear e adotar uma montagem paralela, Isik compromete o drama do longa, um aspecto essencial.
Com essa abordagem, o longa está constantemente alternando entre subtramas e raramente encontra momentos para a narrativa respirar. O enredo tenta introduzir diversos núcleos dramáticos ao mesmo tempo que procura surpreender o espectador através de viradas da trama, a maioria delas previsíveis por conta do próprio formato. Ao tentar conectar esses pontos, a obra arrisca se contentar com relações artificiais e pouco investimento no desenvolvimento dos personagens.
Mesmo sem um olhar mais delicado para o drama, se o longa dependesse apenas da belíssima música original de Marcel Vaid, uma orquestra carregada por violinos que estabelece muito bem o tom melancólico do filme; e as atuações de Kida Khodr e Ahmed Jour, esse seria facilmente um ótimo filme, o que infelizmente não é o caso. Al-Shafaq traz uma proposta atraente, mas o resultado é uma obra que evidencia e depende demais de uma técnica que não justifica sua existência.
Al-Shafaq – Quando o céu se divide (Al-Shafaq – Wenn der Himmel sich spaltet – Suíça e Turquia, 2019)
Direção: Esen Isik
Roteiro: Esen Isik
Elenco: Kida Khodr Ramadan, Beren Tuna, Ismail Can Metin, Ahmed Kour Abdo, Serkan Ercan, Ali Kandas, Serkan Tastemur, Robin Arslan, Mirza Sakic, Revsan Celiker
Duração: 98 min.