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Crítica | Aitaré da Praia

Romance, identidade e desalento.

por Luiz Santiago
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Aitaré da Praia (1925), dirigido por Gentil Roiz, representa de forma lírica diversos contrastes sociais, alguns conflitos românticos e elementos culturais no contexto do Ciclo Cinematográfico de Recife (1922 – 1931), em mais uma produção da Aurora Filme, que se insere num momento de expansão da indústria cinematográfica nacional, marcado por uma busca de identidade e por uma marcha em direção à profissionalização do setor.

Segundo registros da Cinemateca Brasileira, houve também uma versão desse filme produzida em 1927, sob direção de Ary Severo, Jota Soares e Luiz Maranhão. O contexto dessa produção é dado através das seguintes notas: “MAM/Ciclo de Recife informa que Edson Chagas adquiriu um negativo incompleto da produção homônima de 1925, da extinta Aurora Filme, e refilmou algumas partes extraviadas”. Outra nota de contexto é dada através da revista Cinearte, em diferentes datas: 5 de outubro e 28 de dezembro de 1927, e 18 de janeiro de 1928, falando da “compra dos negativos e refilmagens das partes “piores” que foram suprimidas da primeira versão. A mesma fonte, em 21 de março de 1928, anuncia a conclusão das refilmagens”.

Ambientado em um vilarejo litorâneo, o filme narra a história do pescador Aitaré, que se envolve romanticamente com Cora. Nesta relação, podemos ver a exploração do embate entre tradição e modernidade, evidenciado tanto na descrição das belas praias da região quanto na introdução do ambiente sofisticado da aristocracia recifense, indo de encontro às transformações sociais em curso no Brasil dos anos 1920. No desenvolvimento da fita, o espectador se depara com uma porção de elementos regionais, como o cotidiano dos jangadeiros, as canções e as festas. Em meio à história de amor, porém, revela-se um conflito de aspecto histórico e também classista e racista, o que acabará conduzindo o drama ao desalento. 

Quando Cora conta à sua mãe, D. Guilhermina, a paixão por Aitaré, ouve uma veemente reprovação, acompanhada da seguinte fala: “Este mestiço por quem te apaixonaste é o último descendente de uma raça que há cem anos passados imperou com todo o despotismo neste recanto. Aqui consumaram-se fatos terríveis, verdadeiros atos de atrocidade. Tu, minha filha, tu queres casar com o último de uma raça que foi nossa maior inimiga? O sangue maldito daquela raça ainda deve imperar, influindo no caráter do homem a quem, na tua ingenuidade, amas”. 

Levando em conta as falas anteriores de que Aitaré era um “pobre pescador, sem educação e sem futuro”, e somando esta forte exposição preconceituosa em relação ao sangue indígena, temos um dos muitos pacotes de arranjo e aprovação ou recusa de casamentos em diversos lugares do Brasil, até mesmo entre famílias pobres: a origem étnica do pretendente e sua posição social eram julgadas e poderiam ser utilizadas como motivação para a família impedir o matrimônio.   

Apesar de filmar bem as cenas no litoral e ter uma interessante mise-en-scène na primeira parte da obra, a montagem truncada e o final abrupto e um tanto confuso de Aitaré da Praia atrapalham bastante o filme a se desenvolver bem. Também não se pode ignorar o aspecto monótono e cansativo de algumas sequências, prejudicando o envolvimento do espectador.

Apesar de suas limitações, a fita merece ser apreciada num específico contexto de produção, especialmente quando lembramos que traz uma cena com blackface. A obra oferece uma visão bastante conhecida dos brasileiros sobre tradição e modernidade, questões de classe, etnia e mobilidade social. É uma contribuição importante para o cinema brasileiro, refletindo a busca por identidade em uma época de grande entusiasmo na nossa Sétima Arte.

Aitaré da Praia (Brasil, 1925)
Direção: Gentil Roiz
Roteiro: Ary Severo
Elenco: Ary Severo, Almery Steves, Rilda Fernandes, Antônio Campos, J. Soares, Claudio José, Mario Cardoso, Rosa Temporal, Queiroz Coutinho, Tito Severo, Luiz Marques, Valderez de Souza, Adlelmar Tavares, José Amaro, Mário Lima, Pedro Neves, Amália de Souza
Duração: 60 min.

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