- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série.
Nos últimos anos, a cultura pop moderna tem contado histórias cada vez mais voltadas para nostalgia, referências e fan service. Tenho sido crítico ferrenho desse modelo muitas vezes preguiçoso de se basear uma narrativa, mas tenho que tirar o chapéu para Dave Filoni, porque, em Ahsoka, o artista tem mostrado que sabe como puxar os botões certos na audiência e como homenagear Star Wars. Logo no começo do episódio, Huyang referencia as palavras icônicas da franquia que dão título ao episódio, momento em que fiquei arrepiado e com um sorriso bobo no rosto, porque a frase do personagem estabelece o que veríamos no restante do episódio: uma história sobre uma galáxia muito distante, suas criaturas estranhas, perigos e aventuras.
Muito do que vemos aqui é puro Star Wars, começando pela direção extremamente cinematográfica de Jennifer Getzinger que nos leva para Peridea e posteriormente nos apresenta o planeta, até a típica fofura de George Lucas na pequena busca de Sabine com tartarugas alienígenas. Tudo é puro espetáculo de ópera espacial, da passagem pelo cemitério das baleias espaciais, o encontro com as Grandes Mães, o retorno imponente da nave de Thrawn e a exploração do planeta. É interessante, porém, como o encaminhamento da aventura é majoritariamente sombrio, com ossos flutuando no espaço, um cenário desértico, bruxas e lendas de terror. Existe um ar até místico e ritualístico nas cenas, na presença sinistra de alguns personagens e na forma que alguns indivíduos conversam como se estivessem dentro de um mito, com o capítulo me lembrando o tom de Duna em diversos momentos.
Essa abordagem meio macabra faz sentido, uma vez que o grande destaque do episódio é a introdução do Grande Almirante Thrawn (Lars Mikkelsen) em live-action, grande vilão originalmente criado para o universo literário expandido da franquia, na Trilogia Thrawn, de Timothy Zahn, bem como a apresentação de uma planeta dominado pelo mal. É um episódio dos vilões, podemos dizer. A imagem de centenas de Stormtroopers alinhados, cantando o nome de seu líder como um grito de guerra, enquanto a direção mostra os passos de Thrawn sob uma partitura maliciosa é uma apresentação icônica para um vilão icônico. Mikkelsen, responsável pela dublagem do personagem, entende o antagonista como ninguém e comanda a tela com seu comportamento falsamente calmo que esconde sua essência maligna.
Obviamente que sua presença no episódio é de caráter introdutório, com o enredo preparando o terreno para os embates dos episódios finais com a chegada de Ahsoka, indicada no desfecho do capítulo – interessante como Thrawn quer aprender tudo da protagonista, dando oportunidade para uma batalha de palavras e manipulação que será interessante. Mas, mesmo em sua característica de preparação, Far, Far Away é uma cuidadosa empreitada para estabelecer a ameaça, sendo que esses momentos antes das batalhas carregam muita tensão, e o cenário do conflito, numa expansão de mitologia interessantíssima de assistir.
É notável como Filoni honra o sentimento e as tradições da franquia em seu senso de descobrimento e maravilha, mas sem medo de mergulhar na mitologia extensa e pouco explorada da franquia no audiovisual, brincando com o metafísico no episódio anterior, e agora com misticismo e cosmologia das Irmãs da Noite. Inclusive, é um episódio com toques metalinguísticos, com destaque para a fala de Baylan sobre a natureza cíclica do eterno conflito entre os Jedi e os Sith. Não parece ser um comentário apenas de sacadinha do roteiro, mas sim uma indicação de que Filoni quer discutir algo maior sobre o passado deste universo, sobre algum poder ancestral e sobre aspectos da Força que podem ser tão curiosos quanto a narrativa de conquista galáctica de Thrawn. Como sempre, Baylan continua sendo um personagem fascinante.
Algumas das minhas reclamações e receios com o modelo do Filoni de se contar uma história tradicional diminuíram consideravelmente nos dois últimos episódios, com a produção demonstrando que quer homenagear sem necessariamente apenas copiar. Ahsoka continua sendo uma história tematicamente simples e uma aventura lúdica mesmo em seus toques perversos, mas com um sentimento de diversão, intriga e espetáculo de qualidade com a jornada envolta por muita mitologia, ótima caracterização, personagens fascinantes e design de produção cuidadoso. Por fim, a história aqui estabelece que estamos realmente vendo uma 5ª temporada de Rebels, mas fiz as pazes com isso e a ausência de Ahsoka faz sentido dentro da narrativa do episódio, focado em estabelecer o cenário e a situação onde a heroína irá chegar, além de dar protagonismo para a maravilhosa Sabine, em conflito interno por sua escolha perigosa, agora acompanhada por Ezra (Eman Esfandi, extremamente carismático). Vai ser interessante como o herói vai reagir à revelação e como o drama entre o trio será resolvido com as consequências potencialmente desastrosas da escolha de Sabine. Os próximos episódios prometem!
Ahsoka – 1X06: Far, Far Away (EUA, 19 de setembro de 2023)
Showrunner: Dave Filoni
Direção: Jennifer Getzinger
Roteiro: Dave Filoni
Elenco: Rosario Dawson, Natasha Liu Bordizzo, Mary Elizabeth Winstead, Ray Stevenson, Ivanna Sakhno, Diana Lee Inosanto, David Tennant, Eman Esfandi, Lars Mikkelsen
Duração: 42 min.