Agonia de Amor não é apenas um trabalho pouco conhecido de Alfred Hitchcock. O filme também é mal visto pela crítica e pelo público em geral, sendo muitas vezes subestimado devido ao forte teor romântico que lhe pontua o roteiro: um triângulo amoroso que envolve “Tony” Keane (Gregory Peck), sua esposa Gay Keane (Ann Todd) e a femme fatale Sra. Paradine (Alida Valli).
Os planos iniciais de Hitchcock eram de fazer o filme com um elenco principal completamente diferente. No lugar de Gregory Peck encarnando o papel do advogado que se apaixona pela sua cliente e deixa a objetividade profissional de lado para tentar provar a inocência da acusada sem cogitar a possibilidade de ela ter cometido o crime, o diretor queria Laurence Olivier ou Ronald Colman. Segundo o cineasta, Peck não combinava em nada com o papel que precisou representar aqui, algo com o qual concordo plenamente. O ator está visivelmente desconfortável no papel, chega muitas vezes a parecer cômico na representação do advogado e só logra uma boa presença em tela nos momentos em que se debate, longe dos tribunais, com a paixão inflamável que o acomete.
No papel da Sra. Paradine, uma ninfomaníaca acusada de ter matado o marido cego para poder ficar com o amante e cavalariço do falecido Sr. Paradine, Hitchcock queria ninguém menos que Greta Garbo, mas a insistência de Selznick venceu e Alida Valli foi escalada para o papel, mesmo processo que ocorreu na contratação de Gregory Peck. Só que Alida Valli está bem no papel e representa de forma fria e parcialmente sedutora a mulher de forte personalidade à qual deveria dar vida, uma postura que é grandemente ajudada pela trilha sonora, que tem um papel predominante no filme e, nas cenas em que a Sra. Paradine aparece, ganha temas fortes, com as cordas em crescendo, um pequeno arranjo para piano ao fundo e leve melodia dos metais. Esses mesmos temas potentes voltam a aparecer nos blocos amorosos entre o casal Keane, especialmente no destaque à solidão de Gay Keane (uma ótima atuação de Ann Todd) que se percebe “traída” ou “abandonada” pelo marido assim que ele assume o “Caso Paradine”.
Mas, segundo Hitchcock, o maior erro das escalações foi Louis Jourdan para o papel do cavalariço e amante da Sra. Paradine. O cineasta queria que Robert Newton vivesse o personagem: ele pensava em um ator que tivesse compleição rude, bruta e que tivesse “mãos ganchudas, que nem um diabo!“, segundo suas próprias palavras. Levando esse lado em consideração e notando a colossal diferença positiva que Newton traria para o papel e para a trama como um todo, somos obrigados a concordar com o diretor.
Depois de vencer uma intensa batalha com Selznick no ano anterior, onde conseguiu a muito custo contratar o “casal ideal” (Ingrid Bergman e Cary Grant) para os papéis principais de Interlúdio (1946), Hitchcock era agora vencido pelos aspectos contratuais e de produção impostos por Selznick, o que fez de Agonia de Amor um filme pouco intenso na questão de elenco, mas em contrapartida, notadamente interessante no plano técnico. Já citei a grande importância da trilha sonora para essa obra, mas este é apenas um detalhe dentre outros aqui encontrados.
A primeira hora da projeção é centrada na apresentação das personagens, na paixão repentina de “Tony” Keane pela Sra. Paradine, o desenvolvimento do caso antes do julgamento e o surgimento enigmático de André Latour, inicialmente envolto em sombras e depois mostrado quase que num rompante para o espectador. Esse pequeno suspense intensifica ainda mais as suspeitas e suposições do público, que não sabe ao certo quem escolher para mocinho e vilão ou mesmo sobre o que pensar a respeito da acusada e de Latour, que se torna cada vez mais presente no texto fílmico a partir desse ponto.
Os 50 minutos finais da fita trazem o julgamento como principal foco, com certeza, a melhor parte da obra, exceto pela desconfortável e até constrangedora atuação de Gregory Peck. Em contrapartida, temos a excelente presença de Charles Laughton como o Juiz do caso e uma inesquecível sequência com Ethel Barrymore, que foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por sua atuação nesse filme.
É certo que a linha do romance ou o grandioso foco matrimonial, além de um elenco pouco à vontade, tenham sido decisivos para fazer de Agonia de Amor um filme aquém do que se podia esperar de Alfred Hitchcock. Mas seria um pecado desprezar a obra unicamente por esses elementos. Mesmo não estando entre as melhores direções do Mestre, a trama garante bons momentos para o público, além de um bom sentimento de espera pelo desfecho dos fatos – mesmo que isso fique óbvio em algum ponto – e uma discussão interessante sobre paixão, deveres profissionais, neutralidade no julgamento e casamento. Como sempre, componentes da vida e do comportamento humano dissecados em um enredo fílmico de hitchcockiano.
- Crítica originalmente publicada em 22 de agosto de 2016. Revisada para republicação em 26/03/2020, em comemoração aos 120 anos de nascimento do Mestre do Suspense e da elaboração da versão definitiva do Especial do diretor aqui no Plano Crítico.
Agonia de Amor (The Paradine Case) – EUA, 1947
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Alma Reville, David O. Selznick, James Bridie, Ben Hecht (baseado na obra de Robert Hichens)
Elenco: Gregory Peck, Ann Todd, Charles Laughton, Charles Coburn, Ethel Barrymore, Louis Jourdan, Alida Valli, Leo G. Carroll, Joan Tetzel, Isobel Elsom
Duração: 125 min.