No ambiente atual de investimentos gigantescos e frenéticos em todo o tipo de conteúdo audiovisual para abastecer os esfomeados serviços de streaming, os gêneros de ação e espionagem têm sido constantes vítimas de abordagens genéricas e idiotizantes. Não que isso seja uma novidade, pois, na época em que filmes eram exclusividade de estúdios de cinema, a única diferença era que a quantidade total de produtos audiovisuais lançados era muito menor e, portanto, menos sensível. Com muita oferta, as porcarias se multiplicaram como coelhos e ficou mais evidente ainda que são justamente essas porcarias que conseguem atrair mais globos oculares para a telinha, já que a média é… bem… a média.
Sei que estou sendo particularmente amargo – e honesto – nesta crítica, mas é por uma boa razão, pois Agente Stone, mais novo longa de pancadaria de Gal Gadot para o Netflix (aquela coisa horrorosa chamada Alerta Vermelho ainda me dá calafrios…), parece ser o solitário trigo em meio ao mar de joio. Infelizmente, porém, isso não quer dizer muita coisa, já que a ruindade espalhada por aí é enorme e profunda, com o filme dirigido por Tom Harper e escrito pelo escritor de quadrinhos Greg Rucka (responsável por The Old Guard, que é outro bom exemplar de filme de ação em tempos magros) e a roteirista Allison Schroeder (que tem o ótimo Estrelas Além do Tempo e o melhor live-action de animação da Disney até agora, Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível, no currículo), apenas conseguindo destaque por ser menos genérico e menos imbecilizante do que seus pares imediatos. Em outras palavras, trata-se de um filme de ação do tipo “feito por algoritmo” que consegue ser suportável, ainda que passe longe, mas muito longe de Missão: Impossível, a franquia cinematográfica que muito obviamente tenta emular, com sonhos de, claro, tornar-se o primeiro de muitos.
Aliás, a premissa – o roubo de uma inteligência artificial que é o principal instrumento de uma agência secreta batizada de Carta (Charter, no original) em que a Agente Rachel Stone (Gadot) trabalha – é, coincidentemente ou não, a mesma do mais recente longa da franquia protagonizada por Tom Cruise, ainda que o assunto esteja definitiva e assustadoramente na moda. No entanto, falta ao roteiro “pequenos detalhes” como caracterização e desenvolvimento de personagens e uma narrativa que não seja, apenas, uma sucessão de sequências de ação costuradas por meia dúzia de diálogos expositivos de fazer os ouvidos doerem. Mas a grande verdade é que Harper até que consegue entregar boas sequências de pura ação nos mais variados países do mundo, da Itália à Islândia, passando por Portugal, Inglaterra e Senegal, com Gadot funcionando exclusivamente na base do puro carisma, já que ela não tem sequer a oportunidade de mostrar seus (decididamente limitados) dotes dramáticos.
Chega a ser irônico até como o roteiro acaba vitimando muito rapidamente sua mais complexa e interessante ideia, que é fazer de Stone uma agente secreta que se infiltra em agências de espionagem para ajudá-las a alcançar seu objetivo. Aliás, deixe-me corrigir: sua potencialmente mais complexa e interessante ideia. Afinal, de complexa ela nada tem no longa e acaba ficando para a imaginação o que poderia ser uma obra que realmente pegasse essa premissa e fizesse algo elaborado e mirabolante – sem deixar de ter muita ação – como acontece na já citada série de filmes impossíveis. Quando esse aspecto de Agente Stone é defenestrado para abrir espaço para ação pela ação sem qualquer nuança, o longa começa a perder o fôlego, algo que não é ajudado pelo fato de os personagens ao redor de Gadot não passarem de figurantes com glamour, categoria em que incluo Jamie Dornan (que insiste em achar que é ator) e Alia Bhatt (cuja mais relevante característica é o fofo sotaque indiano), que vivem, em tese, os dois outros mais importantes personagens.
No entanto, Agente Stone acaba se segurando nos fiapos de qualidade que tem, seja Gadot funcionando como heroína de ação mesmo quando não traja seu uniforme de Mulher-Maravilha, seja a direção de Harper genuinamente esforçando-se para fazer algo que vai além do desperdício que é o roteiro de Rucka e Schroeder. Continua sendo um filme de ação sintomático da era dos streamings, mas seu conjunto consegue ser mais agradável do que a média da oferta atual e isso já consegue ser alguma coisa. Ou será que não?
Agente Stone (Heart of Stone – EUA, 11 de agosto de 2023)
Direção: Tom Harper
Roteiro: Greg Rucka, Allison Schroeder (baseado em história de Greg Rucka)
Elenco: Gal Gadot, Jamie Dornan, Alia Bhatt, Sophie Okonedo, Jing Lusi, Paul Ready, Jon Kortajarena, Archie Madekwe, Matthias Schweighöfer, BD Wong, Glenn Close, Mark Ivanir
Duração: 122 min.