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Crítica | Agente Oculto (2022)

Ele é só o seis.

por Felipe Oliveira
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Equiparando ao desastroso crossover de Alerta Vermelho, a Netflix lança seu segundo longa de ação mais caro com Agente Oculto. O filme chega como mais uma das apostas da plataforma de emplacar uma grande franquia no gênero, com uma longevidade receptiva como foi com a saga Crepúsculo ou Harry Potter nos cinemas. Da trama de assalto numa Las Vegas infestada por zumbis, em Army of the Dead: Invasão em Las Vegas, ou a com o mercenário brucutu em Resgate: Dia da Redenção, a empresa têm se concentrado em trabalhar com temas recorrentes, porém, com nomes de peso no elenco e produção como chamariz. Então, depois de Gal Gadot, Ryan Reynolds e Dwayne Johnson encabeçarem o início de um trilogia, voltamos para a premissa de espionagem em The Gray Man, adaptação do romance de Mark Greaney.

A bola da vez agora conta com os irmãos Russo e Christopher Markus, nomes responsáveis por vários títulos do MCU, além de ter seu trio principal de estrelas formado por Ryan Gosling, Chris Evans e Ana de Armas. Como a preocupação não é apresentar um enredo fora da caixa, que reinvente os elementos do nicho que se propõe, Agente Oculto nem cogita esconder que não encontraremos nada demais na história, por isso, em menos de vinte minutos de filme, o que poderia ser segurado como peças para reviravoltas, rapidamente é exposto na dinâmica edição de Jeff Groth e Pietro Scalia e diálogos objetivos.

Porém, ainda que o enredo não parta de nenhuma ideia fora do comum, é preciso manter algum charme, e é onde entra inserção de familiaridades das tramas de traição e espionagem, e nesse tecido, o roteiro de Joe Russo e Markus emula um código familiar ao visto na saga de James Bond, também conhecido como “007”. Na mitologia dos livros de Ian Fleming, para cada agente secreto que ganha permissão para matar, recebe a identificação “00” do serviço britânico de espionagem MI6, por ser o número de pessoas que em algum momento executaram, assim, Bond é o sétimo agente com a licença e proteção do serviço. Semelhantemente, Sierra Six (Gosling) – sendo o “Sierra” equivalente ao “00” e “Six” ao “7” – é um dos ex-presidiários que, num acordo vitalício com a CIA, passa a matar os alvos que a agência não consegue. O cenário muda quando ao descobrir segredos comprometedores, se vê numa corrida por sua vida ao ser caçado por um ex-agente do programa, o impulsivo e corrompido Lloyd Hansen (Evans).

Nem se quisesse assumir mais essa inspiração, The Gray Man conseguiria se manter com uma trama genérica com ares de 007, o que, bem, é um traço que o filme segue, pois, até a música tema escrita por Monty Norman recebeu um novo arranjo na trilha sonora composta por Henry Jackman. E, embora Gosling convença como o personagem central dessa teia de conspiração e espionagem, o roteiro falha ao não se esforçar em trabalhar um escopo menos previsível. Não se vê ambição ou inspiração em estruturar a narrativa além de blocos óbvios que servem de auxílio e humanização do protagonista, que encontra sua maior redenção nos esforços para proteger Claire (Julia Betters), sobrinha de seu guardião. Mas até no modo com que esse elemento emocional e dramático é apresentado deixa a desejar, já que é inserido em meio às frequentes informações e diferentes divisões locativas que a edição dribla sem nunca permitir uma respiração entre elas enquanto os lados opostos desse embate estão prestes a se chocar.

O filme tenta a todo tempo reproduzir um dinamismo que carece de emoção e tensão nos desdobramentos que segue, com tudo soando espirrado de outros filmes de espionagem, mas a delicadeza de fazer o manjado de  um jeito carismático, o que fica difícil acreditar na construção dos personagens pois estão embebidos num mecanismo trivial de como funcionam em tramas do tipo, e isso não foge do protagonista. A maior exceção nesse meio é o excêntrico oponente de Six, que ganha pontos pela performance de Evans que não deixa de demonstrar o quanto está se divertindo com um personagem insano e comicamente descabido. e o cinismo em como atua demonstra estar aproveitando muito a chance de tirar sarro da própria vilania. Em suma, o elenco faz o máximo para honrar seus modelos de personagens, que de nada soam autênticos em suas escolhas além de seguirem linhas pré-estabelecidas, como Dani (de Armas) simplesmente decidindo ajudar o agente caçado.

O que parece valer o orçamento de 200 milhões nessa trama oca e sem graça de discussões está na direção dos irmãos Russos que em meio a familiaridade do tema oferecem uma execução notória pela movimentação, que termina também sendo sufocada pela forma em que é organizada. O primeiro demonstrativo disso, é na sequência inicial de ação, com o cenário preenchido por fumaça, cores vibrantes e bolas de decoração espalhadas no chão, e enquanto a porradaria rola, há um movimento discreto com um drone que guia o telespectador a acompanhar Six e Dani, contornando também o esquema de edição. Ter essa breve cinesia mostrou onde estaria a força do filme, chamando a atenção para o que esperar dessa característica de movimento, porém, não é um apelo que dura.

Negativamente, é curioso perceber como a direção quebra as expectativas de uma ação frenética, desenfreada e com coreografias bem ensaiadas em embates corpo a corpo, ao simplesmente desperdiçar seu potencial nos jogos de movimento. É interessante, claro, quando o enquadramento se debruça no mesmo sentido em que o personagem que cai no chão, mas essa composição oscila por nem sempre oferecer o mesmo resultado. No exemplo da cena em acontece no centro de Praga, há um incômodo em como tudo é apressado, pois está ocorrendo uma leve aceleração nas transições dos planos, passando a impressão a que estão sendo pulados; que um espaço que faria serem mais críveis foi comprometido na edição. E só piora na sequência seguinte no trem, com as lutas corridas, batidas de carros e tiros sendo tragadas num ritmo fulminante em que o uso dos drones enganam com a filmagem à la Michael Bay, mas sem o capricho de suas set pieces caóticas e explosivas. Notamos também como cada construção de cena quando não está sendo avançada é lubrificada com fumaça, numa insistência constante de preencher o espaço e dar algum conceito chato às sequências.

Como se não bastasse as incoerências logísticas e de teletransportes da ação e personagens, tudo em Agente Oculto parece ficar à sombra do que poderia ter sido, inclusive o embate entre os adversários Six e Hansen, ou qualquer outro confronto… tudo parece oferecer um rendimento raso. Se depender da saga literária que já conta com onze livros, a Netflix terá muito material que servirá como base, mas como início de outra possível franquia, não há nada que torne a história interessante para o retorno de uma trama que se apoia em pedaços do que já se viu em filmes de conspiração e espionagem, seja Missão: Impossível, Identidade Bourne, mas quem nasceu pra ser Six, nunca será Bond.

Agente Oculto (The Gray Man – EUA, 2022)
Direção: Joe Russo, Anthony Russo
Roteiro: Joe Russo, Christopher Markus
Elenco: Ryan Gosling, Chris Evans, Ana de Armas, Billy Bob Thornton, Jessica Henrick,  René-Jean Page, Alfre Woodard, Julia Betters, Wagner Moura
Duração: 129 min.

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