- Há spoilers. Leiam, aqui, as demais críticas da minissérie e, aqui, todas as nossas críticas do Universo Cinematográfico Marvel.
Agatha desde Sempre acabou como começou, ou seja, com dois episódios indo ao ar no mesmo dia, no caso da dupla final não coincidentemente na véspera do Dia das Bruxas. Leiam as críticas de cada um dos episódios, com a do primeiro tendo sido escrita sem assistir ao segundo para manter a “pureza” dos comentários:
1X08
Nesse Ritual, a Glória É o Final
Depois de Se a Morte Me Encontrar, era pouco provável que Agatha desde Sempre conseguisse entregar algo no mesmo nível de qualidade e é interessante notar como o roteiro de Peter Cameron, claramente ciente que era importante mudar o tom para distanciar-se do que veio imediatamente, encontra uma saída narrativa interessantíssima, que literalmente divide o episódio em dois atos, por assim dizer, o primeiro primando pela absoluta simplicidade que é acompanhada por um visual macabro, mas completamente espartano, em uma espécie de necrotério estiloso com luzes arroxeadas funcionando como a contagem regressiva da provação final e, o segundo, sendo o famoso – e normalmente inevitável em filmes e séries de super-heróis – combate de luzinhas, em que a trinca final luta entre si.
E, mesmo que o episódio anterior continue, até este ponto, vitorioso em meu ranking mental (que em breve será materializado, obviamente), Nesse Ritual, a Glória É o Final é um sucessor digno, mantendo a qualidade de tudo o que veio antes na minissérie. Afinal, mesmo que a primeira parte do episódio pareça simples, ele é, na verdade, um jogo em que vemos Agatha manobrar os peões para, primeiro, tirar Jen do tabuleiro e, depois, iniciar seu plano para entregar Billy para Morte, conforme ela prometera logo antes. O que vale, nessa metade, é como Agatha usa suas palavras aparentemente contra ela mesma para revelar o segredo de quem desapoderou Jen, facilitando a recuperação das habilidades e o fim do jogo para a bruxa das poções e, em seguida, para ensinar Billy a guiar a “alma mágica” (ou seja lá o nome disso) de Tommy para um jovem recém morto, exatamente como ele fez consigo mesmo ao possuir o falecido William.
Mesmo que a narrativa envolvendo Jen seja básica até demais, ela obedece as regras do Caminho das Bruxas e, ao mesmo tempo, toda a lógica da vilania de Agatha. Quem mais poderia ter feito o que fez com ela que não a própria protagonista, não é mesmo? No caso de Billy, a simplicidade está na execução apenas, pois tudo o que vemos é ele sentado em frente à Agatha com os olhos fechados e ela guiando-o pelo caminho que precisa trilhar para ter o que deseja. E fica aquela dúvida que ele põe em voz alta e que é a mesma que tínhamos (e, no meu caso, ainda tenho) em relação a ele: estaria Billy providenciando uma morte para conseguir um hospedeiro “fresquinho” para seu irmão? As palavras de Agatha em resposta à indagação dele não poderia ser mais… frias e carregadas de ambivalência, pois ela simplesmente diz, com Billy já fora do necrotério, que “meninos morrem”.
O embate de luzes coloridas, primeiro entre Morte e Agatha e, depois, entre os três, com a entrada triunfal de Billy com traje de Wiccano muito próximo dos quadrinhos (de onde vêm esses trajes que surgem do nada, hein?) e que alimenta a “vampiresca” Agatha com seus próprios poderes, não tem exatamente um fim em si mesmo, mas sim funciona quase que como uma alegoria para deixar claro que Agatha pode ser má, mas ela não é tão má assim (confesso que, apesar de esperar algo assim, fiquei levemente decepcionado) e para permitir que o epílogo exista, epílogo esse que põe em xeque toda a base da minissérie. Seguindo o manual estabelecido no episódio anterior, o roteiro mais uma vez espertamente usa frases aparentemente inofensivas que foram proferidas ao longo da história toda para deixar bem claro que Billy é mesmo filho de sua mãe e que, portanto, tudo o que ocorreu pode ter sido a manifestação de sua vontade inconsciente executada por seus vastos poderes de manipulação da realidade. Se isso se confirmar, talvez a série tenha que mudar de nome para Billy desde Sempre ou, talvez, BillyVision, o que não seria nada mal.
1X09
Bruxa, Mãe e Algoz
O flashback para a “origem de Agatha Harkness” me fez levantar a sobrancelha em desconfiança sobre a inserção dessa história no último episódio da minissérie, mas, na medida em que vemos The Ballad of the Witches’ Road sendo composta por mãe e filho como uma brincadeira e, depois, usada como uma forma de atrair bruxas para Agatha sugar os poderes, literalmente revelando que o Caminho das Bruxas é uma invenção da dupla, tudo fica bem mais interessante. O retorno ao século XVIII ganha sentido e importância, encaixando-se como uma reviravolta a mais em cima da reviravolta do final do episódio anterior em que vimos Billy perceber que ele, manipulando a realidade, materializou magicamente aquilo que Agatha e Nicholas criaram centenas de anos antes, na prática fazendo de Agatha desde Sempre uma efetiva – e boa de seu próprio jeito – recriação de WandaVision ou, como disse na crítica anterior, BillyVision.
Mais interessante ainda é que, no final das contas, Morte não é uma vilã. Ela apenas existe, como deveria mesmo ser, ou seja, trata-se de uma entidade neutra que, ao fazer o favor (por amor?) à Agatha de não levar seu filho no nascimento, criou um estado de paranoia na bruxa, que passa a viver em função de Nicholas que foi feito “do nada”, ou “from scratch“, em um momento que me fez lembrar de como Han Solo e Namor vergonhosamente ganharam seu nomes (que mania de explicar nomes!!!). No entanto, a absorção de poderes e consequente assassinatos de bruxas deixou-me coçando o queixo em genuína dúvida que não consegui tirar assistindo ao episódio. Agatha faz o que faz como uma forma de impedir que Morte leve seu filho? Quanto mais poder ela tem, mais tempo ela pode mantê-lo a seu lado? Afinal, no momento em que Nicholas impede que ela mate outro conciliábulo, ele é finalmente levado desta para melhor. Ou Agatha faz o que faz simplesmente porque é má? Entendo que ela continuou matando bruxas ao longo dos séculos simplesmente porque queria, como uma forma, talvez, de vingar-se da morte do filho ou até de homenageá-lo de uma maneira doentia e retorcida, mas até a morte dele eu realmente não entendi a efetiva razão e creio que o episódio não deixa isso claro.
Seja como for, a reprise da sequência da “invocação” do Caminho das Bruxas com o conhecimento do passado de Agatha foi uma excelente forma de encerrar essa parte da história, pois vemos a surpresa em seu rosto quando a porta se materializa, algo que ela percebe imediatamente que vem de Billy, verdadeiro herdeiro de sua mãe Wanda e sua magia do caos. E o que segue a isso, ou seja, a realização, por Billy, de que ele foi responsável pelas mortes de algumas bruxas, é como um batismo de fogo, como a última peça da jornada de amadurecimento do personagem, com Joe Locke fazendo um excelente trabalho de incorporação da linguagem corporal de Elizabeth Olsen como Feiticeira Escarlate ao fazer o encantamento no porão de Agatha, ignorando seu fantasma de cabelos brancos no processo.
Falando na fantasminha (não tão) camarada de Agatha, não sei se gostei muito dela. Não falo do efeito em si, que ficou estranho, mas eu não ligo muito para isso, e sim do conceito, pois tornou tudo fácil e conveniente demais, especialmente quando Billy não consegue bani-la ao final e os dois dão as mãos para procurar Tommy. Faltou coragem de deixar Agatha morta por um tempinho ou de trazê-la de volta somente para Billy mandá-la ao inferno das bruxas para ela ser torturada pelas centenas de colegas de profissão que ela matou (o que não impediria seu retorno posterior, obviamente, pois estamos falando de adaptação de quadrinhos, onde ninguém que morre permanece morto, a não ser o Tio Ben). E, claro, faltou coragem de acabar a história de verdade, sem essa de “encontrar Tommy”, pois Tommy deveria ter aparecido logo aqui, nem que fosse com a câmera enfocando-o por trás para não mostrar o rosto de forma a não ser necessário escalar um ator agora, simplesmente para evitar que a minissérie ficasse com um final em aberto para ele ser fechado algum dia… talvez…, se tivermos sorte… Mesmo assim, Jac Schaeffer fez mágica novamente e, ainda que escorregando no finalzinho de Agatha desde Sempre, entregou mais uma boa série sobre o submundo do ocultismo do Universo Cinematográfico Marvel.
Agatha desde Sempre – 1X08 e 09: Nesse Ritual, a Glória É o Final / Bruxa, Mãe e Algoz (Agatha All Along – 1X08/09: Follow Me My Friend / To Glory at the End // Maiden Mother Crone – EUA, 30 de outubro de 2024)
Criação e desenvolvimento: Jac Schaeffer
Direção: Gandja Monteiro
Roteiro: Peter Cameron (1X08); Jac Schaeffer e Laura Donney (1X09)
Elenco: Kathryn Hahn, Joe Locke, Aubrey Plaza, Sasheer Zamata, Ali Ahn, Abel Lysenko
Duração: 49 min. (1X08); 42 min. (1X09)