O Assassinato de Roger Ackroyd é definitivamente um dos livros mais icônicos de Agatha Christie, e não é por falta de motivos. Trata-se verdadeiramente de uma obra inesquecível, escrita em 1926 e que rapidamente ganhou as graças do público e da crítica. Na adaptação televisiva para a série Agatha Christie’s Poirot, então em sua sétima temporada, a produção teve grande dificuldade de estabelecer de forma cativante o caminho para a revelação do assassino, que é um dos grandes trunfos do original. Por conta da maneira peculiar com a qual a autora estruturou a revelação, as motivações e o trajeto do assassinato, é verdade que uma adaptação do texto para o audiovisual seria complicada e traria marcantes diferenças. Mas existem alguns limites de aceitabilidade nessa seara, e este olhar televisivo para o livro, sob direção de Andrew Grieve, fez questão de ultrapassar a maioria desses limites.
Podemos dizer que o episódio/telefilme até introduz bem os personagens. Mas já no início temos algo que denuncia o final, entregando demais, cedo demais. Mesmo para espectadores que conhecem o material literário, assistir a uma adaptação é uma experiência de construção, e espera-se a união da visão do diretor com a essência literária, o que jamais acontece aqui. Ver Poirot lendo um diário, logo na cena de abertura, dá ao público uma impressão estranha de “situação precocemente concluída“, retirando o poder (e notem que eu não escrevi “surpresa“!) que a revelação do assassino nos traria. Ainda assim, passada essa cena inicial, vemos um bom estabelecimento do detetive belga morando no campo e das aventuras e desventuras da vida aparentemente pacata em uma cidade pequena, tudo embrulhado na ironia que é termos Poirot, em plena aposentadoria, morando no lugar que lhe traria um dos casos mais famosos de sua carreira.
Não há surpresas em relação ao elenco. Para quem já viu pelo menos um episódio dessa série, sabe o quanto o trabalho de escalação é fantástico e o quanto David Suchet é poderoso em cena, fazendo um Poirot que, mesmo diferente daquilo que pensamos do personagem em muitos de seus casos, consegue prender o público do começo ao fim. O curioso é que todo o aspecto técnico aqui está em boas mãos. Gosto particularmente da direção de arte, e preciso destacar a ótima ideia para o modelo de relógio embaixo da escada na casa do Sr. Ackroyd. Visualmente, este é um episódio interessante, e embora não consiga subir ao posto de melhores da série, entrega com competência aquilo que essa história precisaria para ter uma marcante identidade. O grande problema é que a direção não sabe usar a boa base estética a seu favor, levando progressivamente a história para o lado do puro espetáculo investigativo (deixando o plantio de suspeitas de lado), o que acaba levando a trama para um encerramento extremamente decepcionante, tanto na forma, quanto no conteúdo.
Talvez se não tivesse optado por um pequeno showzinho policial justamente na sequência de revelação do assassino, o episódio teria algo melhor para mostrar, mas essa abordagem matou a macabra sutileza que se esperava da revelação. O espectador até consegue aproveitar parte da construção até a última cena, mesmo com suas alterações. Até então, imagina-se uma tentativa de deixar a sequência mais ágil, menos reflexiva, mais com a “cara da TV“. A longo prazo, no entanto, isso descaracteriza por completo a obra e, pela costura policialesca do desfecho, dá ao assassino um final patético e quase moralmente redentor, na linha da “providência divina“. Parte deste The Murder of Roger Ackroyd garante um bom entretenimento, mas eu sua unidade, principalmente no momento mais importante da narrativa, comete todos os erros possíveis, fazendo com que terminemos a projeção na mais amarga sensação de mediocridade, o que nunca é bom para obras comuns, quem dirá para obras importantes como esta.
Agatha Christie’s Poirot – 7X01: The Murder of Roger Ackroyd (Reino Unido, 2 de janeiro de 2000)
Direção: Andrew Grieve
Roteiro: Clive Exton (baseado na obra de Agatha Christie)
Elenco: David Suchet, Philip Jackson, Oliver Ford Davies, Malcolm Terris, Selina Cadell, Daisy Beaumont, Flora Montgomery, Nigel Cooke, Jamie Bamber, Roger Frost, Vivien Heilbron, Gregor Truter, Rosalind Bailey, Liz Kettle, Charles Simon, Chas Early, Graham Chinn, Clive Brunt
Duração: 99 min.
