Hercule Poirot é o tipo de profissional que nunca perderá a oportunidade de demonstrar o quanto ele é bom no que faz. O ego do personagem é gigantesco, e Agatha Christie sempre explorou isso de maneira cômica e inteligente em seus contos e livros com o detetive. Em O Desaparecimento do Sr. Davenheim, publicado na coletânea Poirot Investiga (1924), esse ego chega ao ponto de irritar Japp, que firma a seguinte aposta: Poirot não conseguiria resolver o caso do desaparecimento desse homem sem sair do apartamento. Trata-se, claro, de uma tarefa muito difícil, pois estamos diante de uma história onde um banqueiro vai resolver alguns negócios e simplesmente desaparece. Como chegar à verdade sem fazer as perguntas diretamente para as pessoas suspeitas? Sem visitar os lugares onde o banqueiro foi visto pela última vez? Como resolver um crime sem ver a cena do crime ou estar diretamente envolvido com a investigação?
O conto original é quase uma obra-prima da autora, e a adaptação dele para a série Agatha Christie’s Poirot não faz feio, conseguindo chegar a um ótimo resultado final. O ponto de partida que o argumento de David Renwick nos apresenta é uma apresentação de mágica, que não agrada em nada ao detetive, ao mesmo tempo que encanta Japp e Hastings. Esse tema da mágica, será inteligentemente usado pelo diretor Andrew Grieve no decorrer do episódio, com diversos truques de desaparecimento sendo estudados e apresentados por Poirot, a fim de matar o tédio. É evidente que esse uso tem um sentido maior em termos narrativos. É a constante lembrança para o espectador de que uma temática de “sumiço de coisas” está sendo desenvolvida, e Poirot precisa entendê-la, mesmo que recluso e agindo no campo dos truques de mágica, para conseguir chegar à verdade sobre o caso.
Um dos destaques dessa adaptação é como ela consegue estabelecer um diálogo entre esse novo passatempo do protagonista com o núcleo do problema que ele precisa resolver, construindo uma sequência dramática orgânica e, principalmente, muito divertida. Como o desaparecimento do tal Sr. Davenheim também é um truque, todo o episódio parece fazer parte de uma grande brincadeira, e nesse caso, a levada mais despreocupada realmente dá certo. Eu já vi adaptações de obras com conteúdo macabro transformarem algo que não tem nenhum cabimento de ser leve, em piadinha circunstancial. No presente caso, é diferente. Não existe crime de sangue, mas um crime de corrupção, de modo que todas as brincadeiras — estendidas até mesmo para as cenas de “pesquisa de campo” divididos por Japp e Hastings — estão perfeitamente alocadas nessa na realidade representada.
A revelação do criminoso e de seu plano nos é fornecida em etapas, e esta foi outra coisa que vi com bons olhos aqui, pois o diretor dá a oportunidade dos diferentes núcleos de atores chegarem a um bom grau de ansiedade, para então receber a resposta final. Existem, claro, alguns pulos na montagem que me desagradaram na reta final, sem contar a piadinha patética com o papagaio, mas esses são tropeços bem pequenos diante da boa condução da história, que traz uma baita reviravolta e conta com um elenco bem afiado. Às vezes, fazer as perguntas certas, mesmo que a distância, é bem melhor do que investir tempo e energia fuçando provas, conversando com pessoas nada dispostas a colaborar e visitando lugares. Tenho a impressão de que Poirot só não optou pelo uso definitivo desse método porque o tédio era demais para ele.
Agatha Christie’s Poirot – 2X05: The Disappearance of Mr. Davenheim (Reino Unido, 4 de fevereiro de 1990)
Direção: Andrew Grieve
Roteiro: David Renwick
Elenco: David Suchet, Hugh Fraser, Philip Jackson, Pauline Moran, Mel Martin, Kenneth Colley, Tony Mathews, Fiona McArthur, Richard Beale, Bob Mason, Peter Doran, Stewart Harwood, Jonty Miller, Malcolm Mudie, Charles Rayford, Cy Town
Duração: 50 min.
