Episódio da penúltima temporada da série Agatha Christie’s Poirot, A Noite das Bruxas adapta um livro bastante denso (apesar de a história de investigação, no original, seguir um caminho simples e até meio exagerado, no romance) de Agatha Christie, com crimes cometidos contra adolescentes após uma icônica festa de Halloween. Com roteiro de Mark Gatiss e direção de Charlie Palmer, o episódio olha com muito carinho para a fonte literária, e tem um projeto estético que faz jus àquilo que esperamos de uma adaptação para uma história que se passa no Dia das Bruxas. Digo até que o diretor reforçou os elementos que causam medo, fazendo com que essa aparência macabra, exibida em tons outonais, com exploração de sombras e indicações de terror na imagem e na trilha sonora, dominassem todo o drama.
Dizer que estamos diante de um episódio “atmosférico” não seria apenas uma citação generalizada em relação à estética de A Noite das Bruxas. Charlie Palmer investe em uma abordagem tensionada, unindo a busca pelo assassino de uma garota que todo mundo chamava de mentirosa, a um incômodo moral e uma desconfiança generalizada. É claro que podemos dizer que isso é um padrão das histórias policiais ou detetivescas, mas na presente obra, essa tensão recebe cores quase sobrenaturais, com direito a pulos de susto e tudo. E como não podia faltar a toda essa aparência medonha, existe um romance às escondidas, uma adolescente em perigo e indicações de homossexualidade de uma habitante da cidade, para qual todos olham como se soubesse de um “terrível segredo” dela.
David Suchet entrega mais uma vez uma performance deliciosa, às vezes mostrando o lado estranhamente cômico de Hercule Poirot, às vezes impondo-se como autoridade de tal forma, que o espectador fica impressionado com a postura. Gosto muito mais da forma modesta e mais inteligente com que esta adaptação encerrou o caso e entregou os culpados à polícia. O Poirot de Suchet está em toda a sua intensidade, mal contendo a raiva em relação aos assassinos, e expondo em detalhes a trajetória dos crimes. Como o enredo é bem editado e a direção encadeia as diferentes situações sem nenhuma dificuldade, o espectador não tem problemas em lidar com os eventos em diferentes tempos e com ações se passando em diferentes espaços da cidade. Esta, aliás, é uma das coisas que eu mais gosto aqui: a fluidez e a elegância da narrativa, que lida de forma aplaudível com quase tudo o que tem em mãos.
Como quase sempre, nessas aventuras, o elo fraco é o bloco romântico. E isso é curioso, porque não há tanta presença dele assim, no telefilme, mas no pouco que aparece, mostra-se como o ponto de desequilíbrio narrativo em relação ao restante do suspense. Claro que isso não torna o episódio ruim, mas como está distribuído em muitos pedaços pela narrativa (e relacionado a mais de uma pessoa), consegue ao menos deixar algumas manchas na fluidez do enredo, mesmo que nada tão moralmente grave. Gosto muito de adaptações como esta, que olha para o original e traz aquilo que verdadeiramente importa, respeitando a essência e garantindo uma boa diversão para o espectador, mesmo que em uma história macabra e mortal como esta.
A Noite das Bruxas (Hallowe’en Party) — Reino Unido, 2010
Direção: Charlie Palmer
Roteiro: Mark Gatiss
Elenco: David Suchet, Amelia Bullmore, Zoë Wanamaker, Deborah Findlay, Mary Higgins, Sophie Thompson, Georgia King, Ian Hallard, Timothy West, Fenella Woolgar, Macy Nyman, Richard Breislin, David Yelland, Paola Dionisotti, Julian Rhind-Tutt, Paul Thornley, Vera Graziadei, Phyllida Law, Eric Sykes
Duração: 88 minutos