Este episódio da série Agatha Christie’s Marple segue uma dinâmica de “adaptação agregada“, onde um livro ou conto da autora que não tem nenhum de seus detetives mais conhecidos, acaba sendo transposto para a tela protagonizado por um desses detetives; modificação que irrita alguns espectadores, mesmo quando os resultados são muito bons, como no caso deste O Segredo de Chimneys. Publicado em 1925, o romance é uma salada política, cheio de indicações de espionagem, personagens de países fictícios, motivos misteriosos para viagens e relações muito intrincadas entre os personagens principais, deixando o livro consideravelmente confuso, baixando sua qualidade. Nesta adaptação para a TV britânica, em 2010, a produção resolveu o problema dos nós narrativos simplificando a plataforma política e colocando Miss Marple como a verdadeira investigadora do caso (apesar de haver, como sempre, um detetive da Scotland Yard em cena).
Mudar a linha dramática de uma obra literária é algo complicado, porque o roteirista e o diretor arriscam descaracterizar o que foi pensado pelo autor. Bem, o que ocorre aqui em The Secret of Chimneys é um cuidadoso ajuste entre as intrigas geopolíticas do livro de Agatha Christie e algo que não apenas ajuda a história a se desenvolver melhor, mas também torna o medíocre enredo original em algo comercialmente mais palatável. Para isso, o escritor Paul Rutman utilizou outro caminho perigoso que deu certo: o romance. Não que o original não tenha, mas este episódio está exclusivamente focado na decadência da mansão titular, buscando, para este motivo, um crime ocorrido em 1932 e os reflexos dele ao longo das décadas. Relações entre governos, componentes comerciais e econômicos, e máscaras sociais ainda são estampadas aqui. Mas são os protagonistas de algo muito mais “mundano”, o ambiente perfeito para a atuação de uma grande observadora do comportamento humano: Miss Marple.
A parte mais fraca do episódio é a sua finalização no melhor estilo “felizes para sempre“. Deixando esse bloco de lado, somos presenteados por uma direção muito criativa de John Strickland, que consegue manter o suspense em alta conta, mesmo que evidencie o romance. Também nesta seara existe uma exploração de situações que abraçam o mistério, e tudo termina amarrado ao conflito principal, vindo diretamente do livro. É, portanto, uma adaptação que modifica a abordagem vintage, mas não a ponto de desfigurá-la. Visualmente, é um capítulo que apresenta uso exemplar do espaço da mansão, inclusive para desviar a atenção do espectador e criar um leque aceitável de suspeitos. Gosto muito de todas as cenas de “flashbacks explicativos” e da brincadeira estética com a maquete de Chimneys, utilizada para demarcar cada indivíduo no momento do principal assassinato.
Em tramas com esse apelo, é muito comum os finais adoçarem a narrativa e nublarem um pouco a parte mais sólida da obra (em ambientação e tom dramático), este episódio não fugindo à regra. Não digo que a resolução feliz torne o telefilme ruim, mas justamente para não entrar na linha do exagero, o diretor procurou deixar a última cena levemente reticente, mostrando um fade de Miss Marple como que reafirmando a sensação de justiça feita. Claro que não é o meu tipo de encerramento preferido, mas não odeio o que foi realizado aqui. Ver Julia McKenzie fazendo sua personagem desabrochar, ganhando força à medida que a trama avança, é um deleite. Acompanhada de perto pelo ótimo Stephen Dillane, como detetive Finch, a atriz é responsável por fazer dar certo essa transformação temática do livro. Não espere fidelidade à obra original, mas saiba que estará diante de uma adaptação muito interessante.
Agatha Christie’s Marple – 5X02: O Segredo de Chimneys (The Secret of Chimneys) — Reino Unido, 20 de junho de 2010
Direção: John Strickland
Roteiro: Paul Rutman (baseado em obra de Agatha Christie)
Elenco: Julia McKenzie, Ian Weichardt, Laura O’Toole, Robert Dunbar, Edward Fox, Mathew Horne, Adam Godley, Charlotte Salt, Jonas Armstrong, Michelle Collins, Anthony Higgins, Dervla Kirwan, Ruth Jones, Alex Knight, Stephen Dillane, Letty Butler
Duração: 80 min.