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Crítica | Agatha and the Curse of Ishtar

Agatha Christie visita o Iraque pela primeira vez.

por Luiz Santiago
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A interessante recepção do telefilme Agatha and the Truth of Murder incentivou a Darlow Smithson Productions e a Factual Fiction a adicionarem mais um capítulo na jornada de histórias alternativas sobre a Rainha do Crime, desta vez, com eventos que se passam dois anos à frente do seu desaparecimento por 11 dias e das explicações nunca obtidas sobre o que de fato se deu durante aquele período. A introdução deste presente filme já deixa bastante claro o espaço geográfico e a data em que a trama se passa (Iraque, 1928) e o roteiro de Tom Dalton é até bastante fiel às informações que temos sobre a vida de Agatha Christie no final dos anos 1920, inclusive com informações que só seriam confirmadas muito tempo depois de uma outra versão ser amplamente divulgada, como por exemplo, os fatos sobre o primeiro encontro entre a escritora e seu segundo esposo, o arqueólogo Max Mallowan.

Há muita coisa em jogo nesse filme, e diversos de seus aspectos são abordados nas entrelinhas pelo roteiro, mas como não são o foco da obra, ficam apenas como reflexão ou piscadela para o espectador mais atento ou que tenha o conhecimento do que o texto está querendo dizer. Durante muitas décadas, a Inglaterra e outros países do capitalismo central no mundo pilharam, com a desculpa de “explorar” e também “valorizar” as riquezas arqueológicas de diversos sítios antigos na África, na Ásia e nas Américas Central e do Sul. Existem casos muito famosos, inclusive, que já foram abordados de forma real e com um ponto de vista muitíssimo legítimo no cinema, como o filme egípcio A Múmia (1969), de Chadi Abdel Salam. Aqui em Agatha and the Curse of Ishtar, um pouco dessa pilhagem é retratada e uma leve crítica é colocada em cena, mostrando que a presença britânica em escavações no Iraque não eram, de todo, livre de intenções que nada tinham a ver com preservação da História da humanidade.

Mas a proposta da obra é verdadeiramente outra. Ela foca em um momento de mudanças para Agatha Christie, que após propor aos seus editores a publicação de um romance que não fosse policial (e que viria a ser O Gigante, seu primeiro livro publicado sob o pseudônimo de Mary Westmacott), resolve fazer uma viagem para o Oriente, a fim de respirar novos ares e experimentar novas emoções. Levando em consideração o divórcio e como isso a afetou diretamente, o espectador entende o impulso da autora, e a atriz Lyndsey Marshal consegue transmitir essa ânsia muito bem. Na continuidade do enredo, não perdemos tempo com acontecimentos paralelos. Algumas poucas cenas de contexto depois, Agatha está no Iraque e já chega em uma espécie de ‘batismo de fogo’, encontrando jogado no chão o jovem arqueólogo Max Mallowan, que foi alvejado na cabeça. O primeiro contato entre eles é um pouco estranho, traz alguma resistência e não parece haver química alguma entre a dupla. Mas isso muda rapidamente em algumas cenas.

A maneira como a dupla de atores constrói esses personagens é adorável. Embora o grande mistério aqui seja mais interessante e melhor articulado que o do primeiro filme, ainda não é algo que domina todo o processo narrativo, e agora no segundo filme desse Universo fica claro o por quê: não importa qual o tema, a presença de Agatha Christie será sempre mais poderosa do que qualquer pano de fundo misterioso que exista para resolver. Assim, tudo o que se relaciona à autora sempre ganhará destaque, enquanto as outras coisas servirão de impulso para as suas ações, sua investigação e a movimentação de personagens à sua volta. Ao lado do simpaticíssimo Jonah Hauer-King, a atriz Lyndsey Marshal logra uma ótima redescoberta do amor e, ao fim do filme, conclui o seu objetivo de escrever um romance sentimental e ao mesmo tempo forte. A história dos dois é deliciosamente cômica e muito bem costurada entre a insegurança dela, por ser uma mulher mais velha, e os maneirismos de jovem adulto dele, que rapidamente se apaixona pela escritora.

A ideia da “maldição de Ishtar” do título é desperdiçada e gera um certo desconforto porque promete algo que definitivamente não entrega com a importância que deveria, mas para ser sincero isso faz falta aqui. O ambiente de locações e a direção de fotografia sempre muito clara, condizente com o espaço geográfico do Oriente Médio (embora eu não reclamasse se o contraste de cor fosse um pouco maior), e as pequenas intrigas em torno desses personagens, por mais impessoais que sejam, acabam recebendo uma boa costura através da relação entre Agatha e Max, tornando o filme gostoso de se consumir e trazendo indicações sobre essa nova fase na vida da Rainha do Crime, que foi a fase de seu longo e feliz segundo casamento. Uma nova Agatha surgia, e muito da profissão de Max iria aparecer em alguns dos livros mais lembrados e admirados da escritora nos anos seguintes.

Agatha and the Curse of Ishtar (Reino Unido, 2019)
Direção: Sam Yates
Roteiro: Tom Dalton
Elenco: Lyndsey Marshal, Jonah Hauer-King, Bronagh Waugh, Rory Fleck Byrne, Crystal Clarke, Jack Deam, Stanley Townsend, Colin Farrell, Katherine Kingsley, Waleed Elgadi, Walles Hamonde, Mark Lambert, Waj Ali, Liran Nathan, Daniel Gosling, Sharif Dorani, James Staddon, Emma Darlow, Clyde Cassar, Francesca Briffa, Sean James Sutton
Duração: 95 min.

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