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Crítica | After Life – 3ª Temporada

O melancólico adeus de Tony e companhia.

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam,, aqui, as críticas das demais temporadas.

Em suas desventuras no maravilhoso mundo das séries de TV, uma característica rara sempre marcou o trabalho de Ricky Gervais: ele sabe exatamente quando parar e não alonga suas criações para além do que elas deveriam ser mantidas no ar. É extremamente cansativo quando, pelas mais variadas razões, mas normalmente em razão do sucesso, obras sensacionais perenizam-se e, no processo, diluem-se completamente, deixando sua essência de lado e inventando maneiras diferentes de se manter relevante. Gervais parece incapaz de fazer isso. Foi assim com The Office, foi assim com Extras, foi assim com Derek e, agora, com After Life.

Claro que é triste ver uma série que se gostar ir embora, mas isso faz parte da vida, especialmente quando a série é justamente sobre a vida e sobre encontrar razões para vivê-la. After Life nasceu com uma premissa melancólica e difícil, mas, surpreendentemente, com enorme potencial humorístico, com Tony (Gervais), depressivo e suicida em razão da morte de sua amada esposa Lisa (Kerry Godliman), decidindo sempre ser brutalmente honesto, falando exatamente aquilo que pensa, doa a quem doer. A primeira temporada navegou muito bem entre os dois lados dessa moeda, sempre pendendo para esse humor que eu nem sei se chamaria de ácido, mas sim, talvez, depressivo mesmo, tirando comicidade dos lugares mais improváveis. Na segunda temporada, que reputo como a melhor da série, a balança pendeu para o outro lado e as situações abertamente cômicas abriram espaço para um estudo ainda mais franco da depressão e de como lidar com a dor.

A terceira temporada precisava ser a última. Não havia mais história com real frescor para ser contada, apenas o encerramento de linhas narrativas, dos arcos dos personagens coadjuvantes e, claro, do próprio Tony, sempre ao lado de sua cadela Brandy, que o salvou da morte logo no começo da série. E Gervais tinha plena consciência disso, pois sua preocupação é justamente amarrar a narrativa não oferecendo finais definitivos, mas, simplesmente, apontando direções, pois, como disse, After Life é sobre a vida e a vida nos prega peças a cada esquina.

Como há, portanto, um foco maior na constelação de coadjuvantes que povoa a pequena cidade de Tambury, o que inclui a recém-contratada do jornal gratuito Coleen (Kath Hughes), há, também, menos tempo relativo para cada um deles. O efeito disso é duplo. De um lado, os já curtos episódios têm um ritmo mais rápido do que o normal, quase que com flashes sobre cada um desses personagens e nem sempre dependendo da interação com Tony, o que é bom. Por outro lado, a impressão de estrutura episódica fica mais evidente, mesmo com o esforço de Gervais em levar os efetivos encerramentos de arcos até o episódio final.

Além disso, da mesma forma que a segunda temporada focou mais no drama, na melancolia, do que no humor, o mesmo acontece aqui, com o leve agravante de que os momentos humorísticos são os menos inspirados de toda a série, de certa forma algo já embutido na lógica de que os cartuchos de Gervais para seu Tony já foram todos eles gastos nos anos anteriores. Mesmo assim, há ótimos momentos permeando os episódios, muitos deles dependentes das bizarras entrevistas que ele faz ao lado de seu amigo e colega Lenny (Tony Way), especialmente a com o casal que tem um clube de swing.

Em termos de desenvolvimentos recorrentes e concorrentes, temos Tony de um lado terminando de entender que qualquer semblante de retorno à sua vida amorosa realmente não tem futuro e ele estabelecendo uma finalmente saudável conexão com seu cunha e chefe Matt (Tom Basden), algo que se dá em razão de um desafio do segundo ao primeiro que começo com pingue pongue e acaba com Matt tendo um ataque cardíaco não fatal em uma partida de squash. Essa conexão hesitante, mas constante entre os dois é muito bem trabalhada na temporada, fazendo com que as duas pessoas com conexões direta com Lisa finalmente se encontrem em uma espécie de meio termo, com a sequência de Matt deixando um retrato dele criança com a irmã em seu túmulo sendo o belo ponto alto dessa narrativa.

O destaque maior aos coadjuvantes também tirou um pouco do espaço que Anne (Penelope Wilton) tinha na série, mas Ricky Gervais compensou com um emocionante diálogo em que ela deixa bem clara a importância que Tony tem para ela, chamando-o – assim como todas pessoas e animais que nos fazem bem – de anjo, o que conversa muito bem com a narrativa mais espiritual, de vida após a morte que a série sempre teve, que Tony sempre duvidou com força e que, aqui, ganha bom destaque e, mais ainda, esse perfeito desfecho que indicam que os anjos que realmente importam são aqueles de carne e osso que nos ajudam em vida e não criaturas mágicas aladas que nos recepcionam em morte. Não é sem querer que a cachorra Brandy ganha ainda mais destaque na temporada e que, ao final de tudo, em uma delicada elipse temporal, eles dois vão embora pelo parque, Lisa aparece, depois Brandy desaparece e, finalmente, Tony desaparece, fazendo com que Gervais – ateu convicto – abra espaço para uma linda e respeitosa ambiguidade interpretativa.

After Life se vai e, como toda boa série, deixará saudades. Mas Tony, Lisa, Anne, Brandy e todos os demais ali da pequenina e idílica cidade de Tambury precisavam mesmo ir, pois, como tudo que é bom na vida, esses incríveis personagens são apenas passageiros e o que realmente importa são as lições que eles deixam para cada um de nós.

Obrigado, Ricky!

After Life – 3ª Temporada (Idem, Reino Unido – 14 de janeiro de 2022)
Direção: Ricky Gervais
Roteiro: Ricky Gervais
Elenco: Ricky Gervais, Penelope Wilton, Tom Basden, Tony Way, Diane Morgan, Kerry Godliman, Ashley Jensen, Joe Wilkinson, David Bradley, Michelle Greenidge, David Earl, Jo Hartley, Ethan Lawrence, Colin Hoult, Kath Hughes
Duração: 171 min. (6 episódios no total)

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