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Crítica | After Life – 2ª Temporada

por Ritter Fan
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  • Leiam, aqui, a crítica da temporada anterior.

Seria perfeitamente compreensível se, ao final da 2ª temporada de After Life, alguém concluísse que Ricky Gervais não fez mais do que oferecer mais do mesmo, sem acrescentar efetivas novidades no segundo ano de sua mais recente série. Afinal, seu entristecido personagem Tony Johnson continua depressivo pela perda de sua esposa Lisa (Kerry Godliman), vítima de câncer, talvez apenas evitando ser tão completamente honesto sobre o que pensa quanto a premissa original prometia. Mas a grande verdade é que a série é curtíssima, com apenas seis episódios de não mais do que meia hora de duração, o que não permite evoluções a passos largos. Além disso – e aí é que realmente vem o diferencial – os roteiros de Gervais são lindos em sua honestidade absoluta de sentimentos, com o ator/diretor/roteirista/produtor fazendo um papel também brutalmente humano e perfeitamente relacionável.

Tony continua trabalhando no jornal gratuito de sua cidadezinha mais do que pacata, convivendo com adoráveis colegas idiossincráticos, visitando seu pai com Alzheimer todos os dias no retiro de idosos, conversando com Emma (Ashley Jensen), a enfermeira por quem nutre afeto, interagindo com a prostituta Roxy (Roisin Conaty) e com o carteiro Pat (Joe Wilkinson), tendo edificantes conversas com Anne (Penelope Wilton), uma viúva como ele, só que de mais idade, vendo vídeos de sua esposa e tendo pensamentos suicidas que são normalmente desanuviados por sua simpática cadela Brandy, que parece sentir sua profunda tristeza. É, sem tirar nem por, a vida como ela é, sem embelezamentos, sem firulas, sem papas na língua, com o afiadíssimo texto de Gervais criando situações cômicas sim, mas que, nessa nova temporada, abrem mais espaço para o drama, principalmente com Tony debatendo-se sobre o que sente por Emma de um lado e o que ainda sente por sua amada Lisa de outro.

É tudo maravilhosamente natural na forma como os diálogos são travados, com um elenco mais do que inspirado em passar um realismo que chega até a ser doloroso, com problemas como solidão, separação e amor das mais variadas naturezas sendo albergados em um conjunto harmônico e delicioso que é perfeitamente capaz de tirar sorrisos em um minuto e lágrimas no minuto seguinte. Melhor ainda, apesar de os personagens coadjuvantes ainda continuarem gravitando ao redor de Tony, eles ganham mais vida própria nesse segundo ano, notadamente Matt (Tom Basden), seu genro, e Roxy e Pat. Gervais, ao fazer isso, fortalece seu pequeno ecossistema e entrelaça as histórias mais firmemente, porém sem jamais perder de vista o foco em seu sofrido Tony que – não canso de dizer – é um personagem fascinante pela forma aparentemente “fácil” como ele expõe a variedade e extensão de suas emoções, trabalhando pesar, ternura, alegria e gratidão, dentre outros, de maneira muito fluida, sem que os passos sejam marcados como esquetes temáticas.

Kerry Godliman como Lisa é outro show de talento nas filmagens em vídeo que fazem parte da estrutura da série, irradiando cada episódio como sua felicidade e joie de vivre contagiantes que só aumentam e agravam o abismo de sentimentos que existe em relação a Tony ao mesmo tempo que tornam ainda mais palpáveis seus sentimentos de desamparo e desespero pela ausência da esposa. É literalmente de cortar o coração. De maneira semelhante, Penelope Wilton traz sua veteranice adorável como Anne, a voz da experiência que Tony absorve com avidez em todas as suas visitas ao idílico cemitério. Há muita franqueza nessas conversas e a conexão de Gervais com a atriz é realmente impressionante ao ponto de uma de minhas reclamações sobre a série ser o quão pouco há desses momentos. Por outro lado, até mesmo Anne ganha desenvolvimento para além da personagem que ouve Tony no banco debaixo da frondosa árvore, prometendo caminhos potencialmente interessantes para eventual 3ª temporada.

É interessante como a monotonia da vida pacata em Tambury funciona também como uma espécie de personagem que nos pede para desacelerar, para respirar e pensar na vida, no cotidiano, nas pessoas ao nosso redor sem ansiedade, sem exasperação e sem achar que viver a vida é passar o dia inventando coisas diferentes para fazer ou grudado na telinha de um smartphone vivendo de forma vicariante. A própria direção de Gervais faz questão de contribuir para isso com uma câmera quase preguiçosa (no bom sentido!) acompanhando o dia-a-dia de Tony e da constelação de personagens ao seu redor, sem pressa para nada, algo que é reiterado pelas posturas e figurinos dos personagens. Não há nada feito para brilhar naquele padrão que esperamos – ou nos acostumamos a esperar – de beleza e sim para refletir nossa mais pura e simples humanidade.

A 2ª temporada de After Life é sim mais do mesmo, mas a vida é sempre mais do mesmo e não há absolutamente nada de errado nisso. Cabe a nós melhorarmos a cada dia como Tony tenta melhorar, mesmo sabendo que uma vez ou outra haverá pioras. O importante, porém, é seguir em frente.

After Life (Idem, Reino Unido – 24 de abril de 2020)
Direção: Ricky Gervais
Roteiro: Ricky Gervais
Elenco: Ricky Gervais, Penelope Wilton, Tom Basden, Tony Way, Diane Morgan, Mandeep Dhillon, Ashley Jensen, David Bradley, Kerry Godliman, Paul Kaye, Joe Wilkinson, Jo Hartley, Ethan Lawrence, Roisin Conaty, Colin Hoult, Peter Egan, Bill Ward
Duração: 168 min. (6 episódios no total)

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