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Crítica | Adão Negro (Sem Spoilers)

Dwayne Johnson realiza seu sonho, finalmente!

por Ritter Fan
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Como diz o ditado que meu pai repetia com certa frequência, água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Dwayne Johnson queria porque queria viver o Adão Negro há mais tempo do que o Universo Cinematográfico DC existe e, considerando o poder que o ator amealhou em Hollywood ao longo das décadas ao ter seu nome ligado a uma sucessão de blockbusters, eis que ele finalmente conseguiu, prometendo mexer com as fundações dos longas de super-heróis da DC Comics no processo. O longa dirigido com competência por Jaume Collet-Serra passa longe, bem longe de mudar ou sacudir alguma coisa, mas ele legitima o desejo do ex-The Rock em tornar-se especificamente este super-herói (ou anti-herói, talvez vilão) usando todo o carisma careca do lutador de luta livre transformado em astro e entrega um pipocão cheio de pancadaria descerebrada que agradará quem não quiser mais do que isso.

Porque é isso que Adão Negro é: um filme de origem de um personagem superpoderoso que simplesmente não tem adversários críveis que não sejam os mais poderosos heróis e vilões do panteão da DC Comics e que definitivamente não são – no filme – aqueles que ele têm disponíveis para lutar, seja o Senhor Destino (Pierce Brosnan) ou o Gavião Negro (Aldis Hodge), e muito menos o quase completamente inúteis Esmaga-Átomo (Noah Centineo) e Ciclone (Quintessa Swindell) ou, claro, os mercenários genéricos da Intergangue. Aliás, a maior fraqueza do longa é apresentar a Sociedade da Justiça como não mais do que uma versão “de elite” do Esquadrão Suicida, com direito até a Amanda Waller (Viola Davis) convocando-os e Carter Hall (o Gavião Negro), por sua vez, convocando dois heróis aparentemente inexperientes, provavelmente de primeira viagem, para compor a equipe em um estalar de dedos.

Tudo bem que o Adão Negro precisava de gente para bater, mas considero um desserviço à Sociedade da Justiça, primeiro supergrupo da DC Comics, ser apresentada justamente como um saco de pancadas cuja diferença para a Intergangue são os uniformes mais espalhafatosos (todos muito bonitos, com exceção o de Ciclone, que parece fantasia barata de Carnaval) e uma mitologia interna muito mal aproveitada a ponto de todo e qualquer sacrifício que é feito durante a projeção – o principal deles completamente desnecessário – não ter o menor peso dramático. E esse monte de gente colorida sendo socada pelo Adão Negro na cidade fictícia de Kahndaq detrai justamente da história do protagonista que passa a ser um personagem que depende muito da combinação da presença física de Johnson com a capacidade do diretor de criar “silêncios pensativos” e “entradas e partidas triunfais” praticamente a cada cinco minutos para realmente funcionar.

Se você estiver curioso sobre a premissa do filme, ela gira em torno da origem do Adão Negro há cinco mil anos, seu desaparecimento depois de derrotar um tirano e, no presente, seu ressurgimento depois que ele é acordado por Adrianna Tomaz (Sarah Shahi), que quer proteger a poderosa Coroa de Sabbac das garras da Intergangue que domina e oprime seu país há décadas. Mas minha sinopse é particularmente simples para evitar spoilers, pois, na medida em que a história avança, outras informações vão sendo acrescentadas, com direito a reviravoltas em cima de reviravoltas que acabam espremidas em uma narrativa que poderia – deveria! – ser só do Adão Negro, sem a participação da Sociedade da Justiça cuja função narrativa primordial, além de apanhar como boi ladrão, claro, é indagar sobre a natureza do protagonista, se ele é herói ou vilão, algo que poderia ser feito de outra maneira e talvez menos marretada no roteiro que teima em explicar tudo em detalhes para ninguém ter dúvida.

Em termos visuais, o filme se segura bem, com CGI de consistente e de qualidade, especialmente considerando que ele é usado generosamente, e jogos de câmeras criativos do diretor, notadamente em tomadas aéreas em alta velocidade pelas ruas da cidade. Os figurinos, como mencionei, são muito bons, verdadeiramente dramáticos, com o do Adão Negro sendo facilmente o destaque (o do Senhor Destino até poderia ser equivalente se aparecesse por completo por mais do que alguns milissegundos, já que Brosnan deve ter em contrato que ele não pode ficar de capacete por uma sequência inteira). Até mesmo a trilha sonora composta por Lorne Balfe tem seus momentos interessantes, ainda que nunca marcantes.

O problema é que o roteiro de Adam Sztykiel, Rory Haines e Sohrab Noshirvani é uma mixórdia que parece ter sido escrito em momentos diferentes da produção. Se, cirurgicamente, pudéssemos extrair os núcleos narrativos, diria que apenas o de origem de Adão Negro funciona, mas obviamente apenas quando não tem seu espaço reduzido pelo restante. Além disso, mesmo considerando o todo, o filme é estranho pois ele chega a um fim que não é seu fim, ganhando imediatamente depois dele uma espécie de recomeço, com direito a um novo vilão e ao desfazimento de tudo o que veio antes. É inorgânico demais para funcionar de verdade e isso faz com que suas pouco mais de duas horas pareçam muito mais tempo do que isso, cansando o espectador que já não estiver completamente anestesiado pelas doses intermináveis de pancadaria repetida sem pelo menos o estilo e a importância dada a ela em O Homem de Aço, tão criticado por ter metade de sua minutagem apenas dedicada a troca de socos entre kryptonianos.

Ou seja, no final das contas, o ótimo filme do Adão Negro que havia nesse projeto de mais de década de Dwayne Johnson acaba sendo soterrado pela sofreguidão em se enxertar uma galeria de personagens clássicos dos quadrinhos e uma sucessão de situações e eventos desinteressantes e em deixar a pancadaria frenética e as reviravoltas sufocarem a interessante discussão sobre o que faz de um herói um herói. Sem dúvida é bacana ver um ator finalmente conseguir fazer o que queria há tanto tempo e não atrapalha em nada o fato de esse ator ser The Rock, alguém que tem como maior qualidade dramática fazer cara de zangado enquanto quebra tudo e todos ao seu redor, de capangas idiotas a super-heróis de nariz em pé, mas Adão Negro não consegue elevar-se para além de uma obra genérica desse gênero já tão cheio de exemplos semelhantes.

Obs: Há uma importante cena de meio de créditos, mas não há cena de final de créditos, pelo que ninguém precisa ficar até as luzes do cinema se acenderem.

Adão Negro (Black Adam – EUA, 2022)
Direção: Jaume Collet-Serra
Roteiro: Adam Sztykiel, Rory Haines, Sohrab Noshirvani
Elenco: Dwayne Johnson, Aldis Hodge, Noah Centineo, Sarah Shahi, Marwan Kenzari, Quintessa Swindell, Bodhi Sabongui, Pierce Brosnan, Djimon Hounsou, Viola Davis
Duração: 124 min.

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