Gianfranco Manfredi cria um pequeno arco interno nessas edições de Adam Wild, considerando o “Elo Perdido” como uma costura maior, introduzindo novos personagens e desafios cada vez mais mortais para o explorador escocês. Na primeira parte da história, intitulada Os Diários Secretos de Livingstone, temos uma interessante surpresa, misturada com uma pequena linha de humor que já tinha ficado evidente como um dos núcleos fixos da série, desde Os Escravos de Zanzibar. Como o protagonista do título também possui um caminho de luta similar ao do icônico missionário e explorador David Livingstone (1813 – 1873) — especialmente no que se refere à batalha aguerrida contra a escravidão, mas ainda melhor nas atitudes, pois não tem nenhuma intenção em converter populações nativas ao cristianismo — a edição ganha força extra, embora não seja Adam quem está seguindo os passos do famoso aventureiro.
O encontro dos citados “diários secretos” é a base da primeira linha de eventos aqui, na melhor edição das duas que compõem o arco. A trama se passa em lugares diferentes e mostra como interesses locais relacionados a poder e ao dinheiro guiam as ações de diversos grupos, criando situações que desaguam em dilemas morais. Uma dessas é a discussão sobre o por que Livingstone escondeu alguns de seus diários. O autor usa essa oportunidade misteriosa para colocar Adam e o Conde Narciso “Narcy” Molfetta em um caminho que, mais uma vez, levará os europeus a uma batalha sangrenta contra traficantes de seres humanos no continente, grupo formado por nativos mercenários, comerciantes árabes, americanos e europeus escravagistas. A infame caça recreativa de animais também se faz presente, mas de maneira rápida e transversal, não tão abertamente crítica como vimos em O Ataque dos Elefantes.
No vilarejo libertado de Ujiji, às margens do lago Tanganika (Tanzânia), Adam e um pequeno exército de guerreiros locais repelem a tomada daquele território como entreposto de escravizados que seriam levados até a costa. O texano Frankie Post está de volta, e entra em cena também Lady Gertrude Winter, indicando uma história passada com Adam Wild, da qual ainda não temos muitos detalhes.
Após a edição de abertura, temos O Elo Perdido, trama mais política e mais burocrática que a anterior, colocando os soberanos Ashon e Diallo (ex-escravizados libertos por Livingstone, mas que seguiram um caminho infame de traição e de busca de poder e riquezas a todo custo) no centro de algo que dá o que falar: a crença de que antes do ser humano atual havia outra espécie de homo, uma lacuna percebida no registro evolutivo dos hominídeos, o tal “elo perdido“. Aqui, os inimigos de Adam saem um pouco de cena, mas ainda podem ser vistos nos bastidores, tentando obter lucro com o sequestro e compra de seres humanos — seja com o objetivo de escravizar, seja com o objetivo de exibir em circos ou feiras de entretenimento, naquelas horrendas barracas de “freaks“, tão comuns no século XIX e início do século XX.
Mesmo que tenha gostado muito mais de Os Diários Secretos de Livingstone, as duas edições deste arco não decepcionam. Elas seguem costurando uma sequência lógica de acontecimentos para o aventureiro protagonista, e discutindo a política do neocolonialismo a partir de um olhar de época, marcado igualmente por uma presença europeia (ou seja, não deixa de ser paternalista, mas pelo menos é contra a opressão e a escravização de indivíduos), abrindo muito espaço para discussões sobre diferentes situações antropológicas, éticas e econômicas, somando-se àquele irresistível tempero de aventura.
Adam Wild – Vol. 3: Os Diários Secretos de Livingstone (I diari segreti di Livingstone / L’anello mancante) — Itália, dezembro de 2014 e janeiro de 2015
No Brasil: Editora Saicã (2021)
Roteiro: Gianfranco Manfredi
Arte: Vladimir Krstić (Laci)
Capa: Darko Perović
200 páginas