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Crítica | Ad Astra: Rumo às Estrelas

por Gabriel Carvalho
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“Estou ansioso pelo dia em que minha solidão irá terminar.”

O gênero da ficção-científica costuma criar uma uniformidade entre a sua grandiloquência natural, por estar imerso nas mais magníficas possibilidades criativas, e um maior intimismo, proveniente dos assuntos que trata. Logo, grandes cineastas, como Stanley Kubrick e Andrei Tarkovsky, pelas suas lentes telescópicas observaram os astros para além do Planeta Terra, mas enxergaram nelas os próprios seres humanos e, consequentemente, pensaram os significados de suas existências. Os clássicos dramas humanos ganham carga extra, curiosamente, justo em meio ao vácuo. James Gray, no caso, é um cineasta americano interessado, como esses demais nomes do cinema antes dele também, em explorar os temas universais, os quais percorrem sua carreira sob perspectivas, seja as mais esperançosas ou pessimistas, variadas. Com esse que é quiçá o maior dos gêneros cinematográficos, porque resgata no além o seu cenário de encenação, a magnitude do Espaço encontra-se, pois, aos pés do artista, enquanto ele retoma arquétipos conhecidos de seu cinema e os revisa, em prol da crença restauradora que, mais do que nunca, posiciona aqui sobre o homem.

Em primeira instância, nesse seu longa, a odisseia espacial do Major Roy McBride (Brad Pitt) se justifica muito mais no terreno pessoal ao personagem que naquele que se preocuparia com as questões narrativas mais superficiais. Gray abusa das licenças poéticas com a física para alcançar aonde quer e deve chegar. Como o enredo estabelece sem transtornos, a missão do protagonista é comunicar-se com o seu pai, que era dado como morto após sumir durante uma expedição que procurava vida em outros planetas. Já outros meandros, relacionados a um apagão que ameaça a Terra de uma catástrofe sem precedentes, pouco importam – quando a premissa é explicada para Roy, Gray se importa muito mais com a performance de Pitt, central a tudo, que qualquer outra coisa. Portanto, enquanto os maneirismos do gênero – uma ameaça em uma nave abandonada e até um combate lunar visualmente impressionante – são assumidos como uma ponte para as propensões dramáticas do projeto vingarem, Gray, em paralelo, coloca suas próprias ambições à prova. Por conta da ganância do homem, almejando mais e mais, o que se perde no seu caminho?

O Major Roy McBride, por exemplo, é alguém que acumula perdas pessoais em decorrência de uma visão sua meramente direcionada ao Espaço. Como Gray, preciso em concretizar os vínculos emocionais necessários, exemplifica, o enfoque unidimensional do personagem na sua profissão desfocou quaisquer possibilidades de conexões humanas para ele. Em termos concretos, no caso, o cineasta estabelece essa noção, em vista de uma cena no passado do protagonista que mostra presenças secundárias sendo visualmente ofuscadas para se engrandecer, pelo contrário, o centro das atenções egoísta do longa-metragem, tão sozinho no Espaço quanto na vida em si. Na Lua, a Terra que vê soa, para Roy, como um corpo estrangeiro. O uniforme é o conforto. Já o seu voice-over surge como atestado de solidão, pois, no vácuo, a única coisa que resta são os pensamentos do personagem. Ele protagoniza a obra, então, não como símbolo apoteótico, e sim representante de uma personalidade intoxicada. Um dos grandes fantasmas que o papel de Pitt combate, por isso, é o de sua ex-esposa, interpretada por Liv Tyler. Em troca do quê, entretanto, Roy trocou ela?

Para questões como essa, as respostas moram no passado. Lá, quando ainda jovem, o astronauta perdeu o seu pai, não apenas por conta dos problemas que acarretaram o seu sumiço, mas por conta da sua obsessão. Na retomada das relações paternais, costumeiras na carreira do cineasta, como cerne de uma obra sua, aproxima-se uma geração de McBride com a outra, mais velha e que sacrificou bastante na sua vida em troca da conquista sem fim de marcos até então considerados impossíveis. Tommy Lee Jones encarna basicamente o mesmo papel que Pitt, ou seja, o do herói americano, nesse caso desconstruído, responsável pelos maiores triunfos humanos. Enquanto um enxergou o contato com extraterrestres como único propósito possível para a sua existência, o outro visualizou o seu sentido na retomada dos mesmos passos dados por aquele pai omisso e agora perdido. Logo, partindo do princípio de uma experiência de quase-morte vivida no início pelo protagonista, a sua jornada busca não somente o contato com o pai, mas a ressignificação de sua própria vida. O contínuo voice-over, pelo espaço, de Pitt, portanto, possui muito a projetar e pensar.

James Gray, porém, é um cineasta que testa a si mesmo nesse processo, por, em contraste aos seus personagens, procurar não esquecer dos valores internos, os que realmente importam para si, na visitação a ambientes externos, menos primordiais, apesar de relevantes como plataforma de impulsionamento. Ele compreende, portanto, o que a grandiosidade do cinema de gênero pode, tanto para o bem quanto para o mal, ocasionar nos artistas que se atrevem a explorá-la. Os menos bem sucedidos nisso soterram os seus pensamentos mais íntimos, os seus temas mais clássicos, em prol de uma exploração inócua das possibilidades visuais que têm em mãos – no outro campo de comparação, por isso, encontra-se justo Christopher Nolan, cineasta que nem sempre emerge substância da sua megalomania. No caso do longa-metragem de James Gray, entretanto, o drama é conjugado o tempo inteiro às situações mais idiossincráticas da sua produção – como o ataque de um primata que mais tarde se revela como essencial para o protagonista encarar diretamente uma realidade acerca da vida -, que permitem o arco do personagem principal ganhar combustível.

Um dos elementos fundamentais para os momentos dramáticos do longa ganharem sustento, na realidade, é a contextualização de Roy McBride como uma pessoa bem fria, conseguindo resistir aos momentos mais alarmantes sem estressar-se. Esse casulo, porém, é rompido paulatinamente, até chegar a níveis mais extremos – vide a sua espera ansiosa pelo término de sua solidão. Gray impressiona na direção, no caso, por conseguir manejar o drama ao espetáculo. Quando, então, um enfrentamento na Lua entre piratas espaciais e os astronautas principais se inicia, essa caracterização arquetípica do personagem é novamente colocada à prova, para ser questionada pontualmente e danificada. Em cena, no mais, Donald Sutherland termina sendo um contraste para o protagonista, pois perturba-se com a iminência da morte – não equivoca-se, aliás, quem apontar os coadjuvantes, como Ruth Negga, mesmo operantes à serviço de um objetivo dramático, como os pontos menos inspirados da obra. Desse jeito, um paralelo entre viver e morrer ganha contornos expressivos para Roy, que capta como, noutras situações, em meio à solidão, a vida perde sentido.

O significado que o astronauta anseia, contudo, encontra-se com James Gray. Ele compreende a corrupção que as ambições, como a do protagonista e como a de seu pai, causam nas mais puras relações pessoais, e insere, assim, esse seu conhecimento na trajetória do protagonista para ser uma resolução. Por meio de viagens espaciais, nessa primeira vez em que Gray se atreveu a pisar no cenário dos grandes orçamentos cinematográficos, o otimismo do artista, com isso, construído de longa a longa, encontra o seu respaldo mais significativo. Em sua primeira ida ao Espaço, por conseguinte, o artista comprova sua capacidade de sustentar o épico – que se permite ser épico já pela cinematografia – com o drama. Ele impede o esvaziamento de virtudes, que se entregariam a um cosmos capturado enquanto fim, não meio para propor um pensamento tão maior, universal, quanto íntimo. O vácuo do Espaço não só é espetacular, como assustador. Logo, em contrapartida a uma exploração apenas dos arcos pessoais, inclusive o teor mais grandiloquente em questão – a construção proposta de mitologia – é capturado pelas camadas restauradoras da obra do cineasta.

No mundo imaginário que Gray apresenta – com co-autoria no roteiro de Ethan Gross -, os seres humanos já colonizaram a Lua e até Marte, desbravando, pois, territórios nunca antes explorados. Mesmo assim, como cenas pontuais descrevem – vide a mera existência de piratas -, apesar da conquista de novos mundos, a humanidade, em simultâneo, permanece perdida – uma marciana, por exemplo, comenta sobre nunca ter conhecido a Terra. Por pouco tempo, consequentemente, Roy McBride estará em território terráqueo, já que sua jornada encontra-se no Espaço. O resgate, contudo, é da conexão do homem com a Terra, com o próprio homem, porque, do ponto de vista de Gray, o ser soa cada vez mais distante das suas raízes, do contrário ansiando grandezas vazias. Ora, a missão do protagonista é justamente impedir um apocalipse. Logo, por meio da conjugação do maior escopo narrativo do seu projeto com o menor, pretende-se uma reconciliação no cinema de Gray que busca a nossa reconciliação com nós mesmos. O seu longa-metragem, assim sendo, nos leva aos astros, mas para nos incentivar a viver e amar por aqui, nesse milagroso planeta azul.

Ad Astra: Rumo às Estrelas (Ad Astra) – EUA, 2019
Direção: James Gray
Roteiro: James Gray, Ethan Gross
Elenco: Brad Pitt, Tommy Lee Jones, Ruth Negga, Donald Sutherland, Liv Tyler, Jamie Kennedy, John Ortiz, Greg Bryk, Kimberly Elise, Loren Dean
Duração: 124 min.

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