Segunda adaptação do livro homônimo de Scott Turow depois do filme de mesmo nome de 1990 protagonizado por Harrison Ford, a versão televisiva de Acima de Qualquer Suspeita apresenta a história de Rozat “Rusty” Sabich (Jake Gyllenhaal), um promotor que se torna o principal suspeito do assassinato de sua colega e amante Carolyn Polhemus (Renate Reinsve). Apesar de trazer uma narrativa superficialmente similar ao longa-metragem, a nova adaptação do livro tem uma abordagem bem diferente. Encabeçada pelo prolífico David E. Kelley, a produção se aproveita do tempo mais avantajado do formato televisivo para trabalhar com afinco a investigação e principalmente o embate legal entre Rusty, sua defesa e a acusação de Tommy Molto (Peter Sarsgaard).
Não vou ficar fazendo muitas comparações, mas o filme está mais interessado em algumas análises sutis de personagens corruptos e numa construção de suspense do que realmente no whodunnit ou no embate jurídico. David E. Kelley mantém o tom de dramas interpessoais, destrinchando o impacto da acusação e da infidelidade nas dinâmicas familiares do protagonista com sua família, com destaque para seu relacionamento matrimonial com sua esposa Barbara Sabich (Ruth Negga). A dúvida se Rusty cometeu ou não o assassinato paira sobre muitas dessas discussões, com um elenco afiado tanto nos momentos de maior explosão emocional quanto de algo mais quieto. Gyllenhaal é quase sempre preciso nessas transições, por oras soando calculista e em outras extremamente agressivo – em poucos momentos acho que ele passa do tom um pouquinho, soando exagerado, mas nada muito negativo.
No entanto, como expus anteriormente, Kelley se aproveita do formato e do material para explorar outros elementos da história. A parte investigativa na série não é tão marcante, até por ser um encaminhamento mais jurídico e menos detetivesco, mas a narrativa consegue manter a audiência engajada com diversas reviravoltas, novas provas e muitos suspeitos que aparecem ao longo da temporada. O mistério também é elevado pela maneira que todo o elenco parece ter interesses próprios e todos mascararam suas emoções e intenções, aos poucos sendo reveladas e agregando no quadro geral de dúvidas sobre a inocência e a corrupção desses indivíduos.
O grande destaque da temporada, porém, é o embate legal entre Rusty e Tommy, principalmente na reta final da trama. Kelley tem muita experiência com thrillers jurídicos, então os grandes discursos, conflitos com testemunhas e ângulos usados no tribunal são realmente empolgantes, apreensivos e extremamente bem escritos e bem dirigidos. Esses momentos são mais impactantes por conta de uma rivalidade de bastidores bem construída entre dois grandes advogados que também são egoístas, arrogantes e se detestam. Chegando próximo do desfecho, a versão televisiva de Acima de Qualquer Suspeita me manteve interessado com o drama familiar, engajado com o mistério e cativado pela tensão jurídica.
Mesmo com as diversas diferenças com o longa-metragem, a série me passou a mesma sensação de ser uma obra narrativamente competente, com um trabalho de direção, fotografia e trilha sonora eficiente, chegando a um ponto climático notável nos fechamentos orais de Rusty e Tommy. Infelizmente, porém, a revelação final de quem assassinou Carolyn estraga quase que por completamente o desenvolvimento da história, com um plot twist inorgânico, estranho, apresentado com uma péssima exposição e uma resolução sem sentido para a progressão da história. Ainda não considero a produção como um todo ruim, mas uma conclusão infeliz dessa deixa um gosto amargo e poucas expectativas para o segundo ano.
Acima de Qualquer Suspeita (Presumed Innocent) – 2ª Temporada | EUA, 2024
Criação: David E. Kelley (baseado no livro homônimo de Scott Turow)
Direção: Anne Sewitsky, Greg Yaitanes
Roteiro: David E. Kelley, Miki Johnson, Sharr White
Elenco: Jake Gyllenhaal, Ruth Negga, Bill Camp, O-T Fagbenle, Chase Infiniti, Nana Mensah, Renate Reinsve, Peter Sarsgaard, Kingston Rumi Southwick, Elizabeth Marvel
Duração: Aprox. 60 min. cada um dos 08 episódios
