É estranho você ler uma história sobre a qual não sabe direito o que escrever a respeito. Meu colega e co-Editor aqui do Plano Crítico, Ritter Fan, já havia manifestado preocupação semelhante em sua crítica de Neonomicon, obra de difícil degustação escrita por Alan Moore. Incrivelmente, a preocupação se aplica em sua totalidade ao meu atual estado em relação a Abattoir, minissérie em seis edições criada por Darren Lynn Bousman e publicada nos Estados Unidos entre 2010 e 2011. A proposta geral da minissérie é simplesmente fantástica, mas os roteiristas resolveram intricar tanto a história que nada foi resolvido a tempo e a conclusão de toda a trajetória foi, num única palavra, patética.
Com um prólogo bastante aterrador, temos a impressão de que estamos diante daquelas velhas histórias de casas amaldiçoadas. Felizmente, Abattoir vai bem mais além. O prólogo nos mostra uma família tranquila e feliz que comemora o aniversário da filha pequena. Tudo transcorre às mil maravilhas até que o pai começa a manifestar comportamentos estranhos — além das queixas de dor de cabeça desde os primeiros quadros –, até que a grande tragédia acontece.
Desse ponto em diante, os autores nos transportam para a verdadeira história a ser contada. É claro que a casa está envolvida, mas não é apenas uma casa e o verdadeiro ser medonho da trama é um velho pregador satanista (ou hedonista?) cujo a verdadeira idade geraria descrença a qualquer um. A relação entre a pessoa representante do mal e o que ele faz para que o mal triunfe é algo muito simpático aos olhos daqueles que gostam de um aboa história de terror.
Mas ao invés de investir no desenvolvimento desse argumento, percebemos que a minissérie adota o caminho da complexidade desnecessária, adicionando pessoas, situações, escalas temporais e ligações inimagináveis entre os perturbados personagens. Se tudo isso fosse realmente desenvolvido e gerasse um final chocante e espantoso, eu estaria feliz. Mas este não é o caso. Ao dar nós cegos nas subtramas, os roteiristas se arriscaram por um caminho sem volta: uma vez lançadas as sementes de um acontecimento estapafúrdio, não há como fugir dele. Assim, o roteiro de Abattoir acaba sendo refém de sua própria ambição.
Mas há uma grande compensação ao se ler Abattoir: a arte. Tanto as cores quanto os desenhos e a finalização são trabalhos incríveis, profundamente realistas, um verdadeiro conquistador de leitores. Podemos até dizer que a arte evita todos os excessos e escolhas feitas pelo roteiro, não enfeitando os quadros com coisas desnecessárias, não usando decoração, bordas e quadrinhos interligados sem nenhum motivo aparente, não deixando que o traço extremamente realista interfira negativamente ou diminua a presença de desenhos.
É claro que não podemos tirar alguns méritos do roteiro, que deu à arte as asas para voar em direção a um outro mundo. Podemos até citar a narrativa levemente atemporal e mesmo dimensões ou planos espirituais. Mas também nesse ponto a arte supera o texto, especialmente porque este último não consegue fazer pontes ou sequências narrativas aceitáveis entre o passado e o presente. Essas colocações são superficiais e muito localizadas, como se os elementos criadores do arco de cada edição fossem desprezados em função de um outro, na próxima revista, gerando um miolo de história confuso e pouco instigante.
Como deixei claro desde o início do texto, Abattoir possui um argumento fantástico e uma arte muito, muito boa, mas foram as escolhas muito complexas dos roteiristas que deixaram a história geral se perder e caminhar para uma finalização de aparência cíclica que não espanta e nem toca em nada o leitor. Quando eu li aquela indicação bíblica da “permanência dos pecados dos pais nos filhos”, imaginei que a despeito do desenvolvimento, a conclusão seria impactante e bem realizada, mas… ledo engano! No final das contas, essa é uma daquelas minisséries que eu jamais indicaria a alguém que não tem muito tempo livre e, mesmo nesse caso, colocaria muitas ressalvas. Triste fim para uma história de potente começo.
Abattoir (Estados Unidos, 2010 – 2011)
Minissérie em 6 edições, criada por Darren Lynn Bousman
Roteiro: Rob Levin, Troy Peteri
Arte: Bing Cansino, Rodell Noora, Dennis Calero, Wayne Nichols
Cores: Andrei Pervukhin