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Crítica | A Viúva Simões, de Júlia Lopes de Almeida

Amor e dor.

por Luiz Santiago
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A icônica escritora carioca Júlia Lopes de Almeida deu seus primeiros passos na literatura em 1887, quando lançou um livro de contos em parceria com sua irmã, em Portugal. Ao retornar ao Brasil, ela se aventurou nos romances, muitos dos quais inicialmente publicados em capítulos de folhetins e posteriormente reunidos por importantes editoras, como ocorreu com A Viúva Simões. Desde seu romance inaugural, A Família Medeiros, compilado em 1892, os leitores passaram a reconhecer o olhar crítico e analítico que a autora lançava sobre a sociedade fluminense em suas páginas. No presente romance (o segundo de sua carreira), compilado em 1897, a escritora seguiu o mesmo processo de editoria, explorando uma paixão desregulada na família de uma senhora muito distinta da capital do Brasil, poucos anos após a proclamação da república. Um daqueles romances de abalo burguês com o inconfundível sabor da literatura brasileira do final do século 19.

Em uma prosa cativante, a autora começa fazendo um estudo da protagonista. Nessas páginas iniciais conhecemos tudo o que é necessário conhecer sobre a viúva Ernestina Simões, uma mulher muito rígida com a administração da casa e constantemente preocupada com as máscaras sociais, estampando uma dor pela morte do marido que o leitor é levado a crer que, na verdade, não existe. A relação de Ernestina com os criados também é abordada, marcando uma interessante divisão de tratamento pré e pós-abolição da escravidão africana no país, com um desenvolvimento até bastante interessante nessa seara. É justamente a partir dessa visão mais sisuda da protagonista e da sociedade ao seu redor que o leitor parte para a quebra de toda a estrutura da casa e do cotidiano da vida da Simões e de sua filha Sara, com a chegada de um antigo amor de juventude da senhora.

Histórias com personagens que chegam a um lugar e ativam inesperados caminhos comportamentais de libido são sempre um caminho fértil para artistas fundamentarem uma boa crítica aos códigos do contrato social, àquilo que pessoas ou grupos querem esconder em público, mas fazem questão de cultivar em casa. Luciano é a figura masculina que guia esse vento, “invadindo” o ambiente tétrico da casa da viúva Simões e trazendo à tona sentimentos do passado, fazendo com que a mulher reviva algumas histórias, tenha seus desejos atiçados e passe a alimentar a ideia de um novo casamento. Essa é uma das partes mais interessantes do livro, porque marca um antagonismo entre Sara e Ernestina, primeiro com opiniões muito diferentes sobre Luciano (que é um homem dominador e odioso) e depois com opiniões amorosamente similares em relação a ele, tornando a relação entre as duas ainda mais complexa e levando o livro para um caminho completamente inesperado em seu bloco final.

Embora o tratamento dramático dos últimos eventos pareça ser rápido demais (em oposição à demorada construção da relação Luciano-Ernestina), Júlia Lopes de Almeida amarra as nuances de tragédia e remorso a um resultado muito comum em histórias de paixões avassaladoras no século 19. O que acontece com Sara é responsável por mudar a atmosfera do enredo e progride de forma inesperada, em todos os sentidos. É compreensível que, pelo choque que causa, esse ponto do volume seja abreviado, pois é a motivação para o encerramento. Contudo, é um momento tão bom do livro e possui uma possibilidade de arranjos tão instigante, que nos faz lamentar a falta de algumas páginas a mais sobre o momento — o que evitaria, por exemplo, a impressão de cenas desnecessariamente corridas ou estranhamente incompletas. Em A Viúva Simões, vemos um lar ser destruído pela irresponsabilidade de um homem que tinha uma única grande intensão: dar vazão aos seus desejos e ter alguém para constantemente massagear o seu ego. Um homem que, depois de tudo, ainda quer culpar a mulher pela tragédia daí derivada e, como era de se esperar, acaba fugindo, evitando enfrentar o problema que sua imaturidade e jogo libidinoso criaram.

A Viúva Simões (Brasil, 1897)
Autora: Júlia Lopes de Almeida
Publicação original: em formato de folhetins, na Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro, 1895)
Primeira edição encadernada: Lisboa: António Maria Pereira, 1897
Edição lida para esta crítica: Editora Principis, 2019
130 páginas

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