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Crítica | A Viúva Clicquot

Um filme acanhado.

por Ritter Fan
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A chamada Grande Dama de Champagne, Barbe-Nicole Cliquot-Ponsardin, mais conhecida como a Viúva Clicquot, ganha uma cinebiografia dirigida pelo ainda razoavelmente inexperiente cineasta britânico Thomas Napper que aborda algo como os sete anos seguintes à morte prematura de seu marido, François Clicquot, e sua recusa em vender as terras que ele legara à ela justamente na esperança de que ela continuasse a produzir vinhos. Trata-se de um drama inspiracional clássico baseado em fatos romanceados que segue à risca o manual de obras do gênero e entrega uma produção que deixa um gosto de “quero mais”, mas não exatamente por uma boa razão.

Intercalando o presente da fita – mais ou menos entre os anos 1804 e 1811 – com breves sequências no passado que mostra a relação muito próxima do casal, Napper não tenta reinventar a roda. Muito ao contrário, ele se agarra à uma estrutura tão comum quanto possível para contar a história, com base no roteiro escrito por Erin Dignam, por sua vez baseado em biografia literária escrita por Tilar J. Mazzeo, a ponto de ser possível dizer que o diretor é, aqui, completamente avesso à qualquer semblante de ousadia. E isso não é, necessariamente, um problema sério, pois o que realmente importa é se a história é mesmo contada e se a mensagem pretendida pelo filme é passada, além de outros elementos cinematográficos importantes.

Um desses elementos cinematográficos que merece destaque na cinebiografia é a direção de fotografia de Caroline Champetier que extrai o máximo das filmagens em locação e usa ao máximo iluminação natural, conseguindo um efeito de luz e cor que cria a perfeita ambientação para a narrativa, com a paleta de cores seguindo a mesma linha, com velas quebrando os interiores escuros, de tons amadeirados e o cuidadoso figurino de época que, porém, oferece pouco no departamento de cores. É particularmente curioso e bem-vindo que Napper e Champetier não se curvam ao artifício tão comum de transformar filmes assim em um guia turístico da região onde ele se passa, com tomadas aéreas de fazer o queixo cair ou a glamourização de um trabalho duro e complexo. Muito ao contrário, há um cuidado grande para manter o filme “pequeno”, por assim dizer, com sequências íntimas entre Barbe e François, mas também de Barbe trabalhando na criação de sua famosa champagne rosé.

E essa abordagem extrai uma excelente atuação de Haley Bennett como uma enlutada Barbe que não aceita encaixar-se no que o mundo dos homens quer determinar como seu espaço. Assim como a direção não fez do filme uma sucessão de paisagens belíssimas, Bennett também se segura, entregando uma performance sóbria e sutil que enriquece sobremaneira a obra e que estabelece excelentes conexões tanto com François (Tom Sturridge) no passado recente quanto com Louis Bohne (Sam Riley) no presente. O trabalho de direção em si é também delicado e muito bonito, especialmente na forma como aborda tanto a doença mental de François, quanto sua bissexualidade, sempre trabalhada de maneira implícita, apenas como um subtexto.

Estranhamente, porém, o filme é acanhado demais justamente quando lida com os feitos da Viúva Clicquot na indústria de vinhos da região de Champagne, com seus dois grandes feitos, a mencionada bebida rosé e sua estratégia de furar o bloqueio de exportações causado pelas Guerras Napoleônicas sendo expostos de maneira simplista, quase como que por passes de mágica, sem que o roteiro tente se aprofundar no brilhantismo da produtora e, mais ainda, o que isso, no final das contas, significou de verdade para o tão cobiçado vinho espumante. O recorte da narrativa é tão pequeno, tão rápido, especialmente considerando que Barbe viveu até os 89 anos, que o longa parece ser, apenas, a primeira parte de uma história maior que se encerra em uma frustrante tela preta que “explica” o que acontece depois da cena final.

E é por isso que eu mencionei logo no começo de meus comentários que A Viúva Clicquot deixa um gosto de “quero mais” por uma razão ruim, pois o filme, no lugar de levar o espectador a compreender a real importância da Grande Dama de Champagne usando todas as armas do audiovisual, faz de sua diminuta duração um tira-gosto que nunca realmente contextualiza os feitos da protagonista. Enquanto até podemos dizer que a mensagem edificante da luta da mulher por seu lugar no mundo patriarcal é efetivamente passada, a história em si acaba sendo um fragmento do que ela realmente deveria ser e isso acaba diminuindo a importância da viúva para o mundo exclusivo das bebidas sofisticadas.

Obs: Eu não tenho problema com filmes sobre personagens históricos de uma nacionalidade serem interpretados por um elenco de outra nacionalidade, mas o mínimo que a produção deveria ter feito era contratar um bom tutor de línguas para que pelo menos as palavras que precisaram ser faladas em francês pelo elenco americano e britânico fossem pronunciadas corretamente. Não foi só uma vez que me peguei lembrando do personagem de Brad Pitt, em Bastardos Inglórios, falando seu “italiano fluente”…

A Viúva Clicquot (Widow Clicquot – EUA/Reino Unido/França, 2023)
Direção: Thomas Napper
Roteiro: Erin Dignam (baseado em história de Christopher Monger e Erin Dignam e livro de Tilar J. Mazzeo)
Elenco: Haley Bennett, Tom Sturridge, Sam Riley, Anson Boon, Leo Suter, Ben Miles, Natasha O’Keeffe, Cecily Cleeve, Paul Rhys, Ian Conningham, Christopher Villers, Cara Seymour, Phoebe Nicholls, Nicholas Farrell, Chris Larkin, Mark Tandy, Antoine Blanquefort, Joseph Rapp
Duração: 89 min.

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