A única unidade pertencente a Contos de Nova York, antologia de três médias-metragens à qual A Vida Sem Zoe integra, é que todos eles são ambientados em Nova York. E a cidade nem sequer ocupa um papel ativo nessa ambientação; ela está longe de ser como um ‘’personagem’’ dos filmes ou ter qualquer grande destaque. Olhando internamente para cada episódio em si, A Vida Sem Zoe é, de longe, o que menos compartilha de uma unidade. O caminho de um ponto até outro não existe; tudo no roteiro é muito solto, é uma junção de fragmentos sem qualquer coesão entre eles e harmonia em si. Durante todo o filme, martela na cabeça do espectador a inquietante dúvida: que diabos Coppola quis fazer aqui?
A Vida Sem Zoe é a segunda parte de seu conjunto; a primeira é o ótimo Lições de Vida, de Martin Scorsese, e o terceiro é o fraco Édipo Arrasado, de Woody Allen. A produção de Coppola inicia-se com um prólogo em tom de fantasia, algo juvenil, com cara de contos de fadas ou fábula. Este elemento será mantido em níveis diferentes ao longo do filme, sempre operando de maneira deficiente, como um exercício frustrante de tentar algo criativo que nunca vinga. De imediato, o filme conquista um pouco de nossa antipatia: ver a relação de uma menina rica sem os pais com o seu mordomo remete a um genérico filme de Sessão da Tarde. Mas tudo consegue ser muito pior, pois um genérico filme de Sessão da Tarde almeja ser convencional, e as extravagâncias da narrativa levam ao exato oposto disso: temos um trabalho deslocado, que tenta ser solto demais partindo de um foco inadequado (aquele microcosmo de pré-adolescentes).
Não demora nada para ficar completamente escancarada a arbitrariedade do filme. As situações e as pequenas ações dentro delas são de uma tosquice sem tamanho. Somos jogados no mundinho bem viajado de uma menina de 12 anos, mas que parece ser mais como uma menina gostaria que fosse sua vida do que como ela realmente é — afinal, ela está sem a autoridade dos pais, vive uma vida luxuosa e se diverte com as amigas. Há constantemente o estímulo à fantasia deste universo infantojuvenil, que é composto pelo lúdico e pelo consumo. Ou seja, impera a futilidade; o que, a princípio, não é um problema. Acontece que a obra soa como uma eterna divagação, algo sempre gratuito e sem sentido.
A ideia do filme como projeção dos desejos de uma garota tal como a protagonista ganha ressonância no fato de que o roteiro foi coescrito por Sofia Coppola (responsável também pelo caprichado figurino) ao lado de seu pai. Na época, a pupila tinha 17 anos, o que, apesar de não estar muito perto dos 12 de Zoe, também não está muito longe desta idade. Foi o suficiente para a criação de todo um universo muito particular, em que a fantasia perdura na forma de festinhas, roupas chiques e amizades. É como se estivéssemos vendo um vlog do YouTube, uma pena que toda essa imersão não garante nenhuma espontaneidade — o que fica no lugar dela é antipatia e tosquice. Dois destaques nestes fatores estão nas presenças patéticas do mordomo de Zoe e do amiguinho aristocrático que a protagonista conheceu — esses elevaram ao máximo esses dois conceitos do filme.
A sequência com esse novo amigo é absolutamente pavorosa; ele cai do céu, é mal construído, antipático e articula os piores diálogos possíveis com Zoe. Tão sem noção quanto isso é a cena do assalto ao banco — a se fazer um elogio ao belo contra-plongée com a câmera no chão — e o consequente mistério da joia. Este último é o ponto máximo do filme como um trabalho sem pé nem cabeça.
Life Without Zoe (EUA – 1989)
Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: Francis Ford Coppola, Sofia Coppola
Elenco: Talia Shire, Kirsten Dunst, Gia Coppola, Heather McComb
Duração: 34 minutos.