Não há arte que melhor faça uso da metalinguagem do que o cinema, especialmente se a relação é feita por um cineasta competente, que pode transformar a 7ª Arte em um encanto mítico, como podemos atestar em obras do nível de Crepúsculo dos Deuses (Billy Wilder, 1950), Cinema Paradiso (Giuseppe Tornatore, 1987), e também no presente curta-metragem A Vida e a Morte do 9413, um Figurante de Hollywood (1928).
O pequeno filme conta a história de John Jones, o já anunciado figurante 9413, que vai para Hollywood tentar ser ator de cinema. As suas idas e vindas aos testes de elenco e as constantes recusas aliadas à falta de dinheiro para comer e pagar as contas que não param de chegar, acabam causando o seu definhamento, e por fim, a sua morte. A relação imediata do glamour cinematográfico, sua crueldade industrial e seus estranhos métodos de seleção são escancaradas pelos diretores já no início do filme. Um barreira é posta aos atores, e apenas poucos conseguem ultrapassá-la. O exercício feito pelos roteiristas lembra bastante qualquer estudo social sobre a relação do trabalhador com o mercado de trabalho.
Também não foram poupadas referências às grandes estrelas, ao sistema de estúdios de Hollywood ou à injusta escolha de alguns atores para grandes projetos (muitas vezes com escalações preconceituosas ou chantagistas), e de como há uma “cartilha da hipocrisia” a ser seguida por cada grande estrela, que representa a imagem da “pessoa intocável” o tempo todo. E o interessante é que o filme é de 1928, espantando-nos o fato de que quase tudo do que é denunciado aqui ainda permanece em nossos dias.
John Jones, o figurante, perde a sua identidade para se transformar em um número. Em meio à turba de trabalhadores da indústria cinematográfica, ele é o desconhecido figurante número tal. Pouco tempo depois da primeira recusa, ele passa a ter sonhos perturbadores, sempre ligados a uma riqueza que jamais terá. No meio de sua jornada ao “império dos sonhos”, Jones encontra uma famosa estrela de cinema que, em cada parte de seu discurso, usa uma máscara diferente, retirando-a em seguida para apreciar os aplausos, que são muitos. O ator chega a comprar uma máscara para ele, mas não consegue usá-la. O preço a ser pago, todavia, é a sua exclusão do star system: ou você representa um “eu-qualquer” ou jamais fará parte da indústria sendo você mesmo.
É surpreendente o resultado dramático e questionador obtido pelos diretores neste filme. A concepção estética é tocante, realizada em cenários-maquete estilizados, como os do expressionismo alemão. A fotografia de alto contrastante do curta intensifica ainda mais essa sensação expressionista, com uso de luz e sombra em ambientes claustrofóbicos.
A história alcança o patamar de um conto de terror social, e é finalizada de forma crítica, com a representação da felicidade no pós-vida do figurante. A alfinetada nos discursos cristãos e mesmo no discurso cego capitalista é mais que evidente. Ele era um dos milhões que pessoas que poderia, talvez, alcançar o estrelato. Quem sabe a sorte ou o destino não permitiram… Mas, mesmo morrendo devido as consequências desse sonho que a indústria tornou impossível, o homem alcança, num outro plano, o seu maior desejo. Mais irônico, impossível. A Vida e a Morte do 9413 é um dos melhores trabalhos, estética e formalmente falando, do cinema de vanguarda nos Estados Unidos, e merece ser visto e revisto, já que permanece tão atual, mesmo tanto tempo depois.
A Vida e a Morte do 9413, um Figurante de Hollywood (The Life and Death of 9413, a Hollywood Extra) – EUA, 1928
Direção: Robert Florey, Slavko Vorkapich
Roteiro: Robert Florey, Slavko Vorkapich
Elenco: Jules Raucourt, George Voya
Duração: 11 min.