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Crítica | A Verdadeira História de Frankenstein

Uma bizarra tradução televisiva para o romance de Mary Shelley.

por Leonardo Campos
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Baseado de maneira muito vaga no romance de Mary ShelleyA Verdadeira História de Frankenstein, lançado para a televisão britânica em 1973, traz uma abordagem que tenta estabelecer uma carga dramática mais psicológica para a história gótica que flerta com temas polêmicos, tais como identidade, ética e natureza humana. O resultado é curioso, mas o percurso, convenhamos, é relativamente tedioso. Dirigido por Jack Smight, o texto escrito pelo romancista Christopher Isherwood, em parceria com Don Bachardy, nos oferta algumas linhas de diálogos interessantes, mas o seu tom moroso não permite um envolvimento maior na perspectiva do entretenimento, transformando a narrativa num exercício menos diletante e mais reflexivo/acadêmico, em especial, para aqueles curiosos que tentam entender as escolhas de tradução para um projeto do tipo, que tem como ponto de partida uma clássica história da literatura, levada para outro suporte semiótico e tecida com muitas modificações em sua estrutura básica, desde o desenvolvimento do enredo à inserção de novos personagens.

O filme explora o desejo de Victor Frankenstein de superar a morte, um tema central que levanta questões sobre as implicações morais e éticas da superação dos limites naturais da ciência. Na narrativa, o desejo de Victor em reanimar os mortos questiona a responsabilidade dos cientistas em suas buscas e as possíveis consequências imprevisíveis que suas criações podem trazer. Ao contrário de outras adaptações, A Verdadeira História de Frankenstein inicialmente apresenta a criatura de Victor como uma figura atraente e saudável, mas que gradualmente se deteriora física e mentalmente. Essa transformação provoca uma reflexão profunda sobre o que constitui a verdadeira monstruosidade – se está nas aparências, ações ou na essência do ser. Além disso, essa degradação simboliza a corrupção inerente na busca de poder e controle sobre a vida. Ademais, a narrativa também explora as relações humanas e a moralidade dentro dessas interações. Desde o relacionamento entre Victor e a criatura até suas conexões com outros personagens, tais como Elizabeth e Henry Clerval, o enredo expõe como intenções muitas vezes boas podem ser distorcidas por motivações egoístas ou mal compreendidas, refletindo sobre o papel da moralidade nas escolhas e nas relações humanas.

Esse é mote de interpretação pedagógica da narrativa de 182 minutos que é “vendida” como filme, nalguns momentos, mas tratada como minissérie por outros.  Ao se distanciar das versões mais rotineiras do romance, A Verdadeira História de Frankenstein nos apresenta a seguinte estrutura narrativa: Victor Frankenstein (Leonard Whiting) perde o seu irmão em um acidente de barco. Transtornando, ele estabelece uma renúncia ao divino e se compromete em reanimar o corpo do ente querido. Em Londres, diante de seus estudos, conhece Henry Clerval (David McCallum), cientista que lhe apresenta uma novidade: a descoberta da possibilidade de restauração de matéria morta, dando-lhe vida. A pesquisa em questão é um plano audacioso de Clerval, interessado em criar uma nova raça de seres perfeitos a partir de restos mortais, num diálogo com a proposta de May Shelley que serve de inspiração para o texto dramático. Logo que começam a trabalhar juntos, o cientista morre diante de um fulminante ataque cardíaco. Para honrar o amigo, Victor começa a jornada de bizarrices: usar o cérebro de Clerval na criação em andamento. E, a partir desse ponto, começam os problemas.

Victor insere a sua criatura, interpretada por Michael Sarrazin, na alta sociedade britânica, mas um “porém” o deixa paralisado. Ele descobre que houve uma falha durante o processo e a sua criação, ao longo dos dias, tem começado a se decompor, saindo da beleza e partindo para a designação daquilo considerado como feio, estranho e abjeto. Ao contemplar o seu processo, a figura monstruosa decide cometer suicídio e se atira no mar. Até então, Victor acredita que o seu monstro tenha morrido. Mais adiante, por sua vez, a criação aparece numa praia e, num jogo textual com uma das cenas mais recorrentes nas traduções de Frankenstein, o indivíduo faz amizade com uma camponesa cega, mas logo é afugentado do local quando as pessoas que circundam a personagem, dotadas de visão, o consideram aberrante demais. Assim, as primeiras mortes trágicas em torno do monstro começam o processo de empilhamento de corpos. Um deles, no entanto, é resgatado para reanimação. Agatha (Jane Seymour), neta da camponesa, levada pela criatura para o laboratório de Victor, numa tentativa de reanimação. O que ele não esperava era que no lugar do seu criador, encontraria o Dr. Polidori (James Manson).

Agora ocupante do espaço, o doutor explica que a experimentação em questão foi roubada dele por Clerval. Victor, distante dos trabalhos que deram origem ao ser abandonado e solitário, agora é um homem casado com Elizabeth Fanshawe (Nicola Pagett). No final das contas, ele reanima a moça e origina uma nova criatura, nomeando-a de “Prima”. E, enquanto Victor está em lua de mel com sua esposa, introduz a personagem na casa de seus familiares. É a sua tentativa de testar a criação no seio da alta sociedade da época. Ao retornar, Victor e Elizabeth contemplam com susto, a figura que se comporta de maneira transtornada. Antes disso, o doutor convence os seus assistentes a eliminar o “monstro”, tendo como plano jogá-lo em um tanque de ácido, mas há impedimentos. Assim, ele o tranca no laboratório e incendeia o prédio. Para o leitor, um detalhe sobre os seus planos maléficos: Polidori quer transformar a nova criação em uma cortesã para ganhar notoriedade, isto é, influência na política internacional. Depois disso tudo, uma série de eventos insanos se estabelece. Há embates, a Prima é decapitada, a criatura, que deveria ter sido morta no incêndio, reaparece repleta de queimaduras.

Um espiral de confusões culmina na morte de Polidori, de Elizabeth e, por fim, após uma viagem de navio, que tem seu destino mudado e encontra paradeiro no polo norte, Victor e a sua criatura encerram as suas trajetórias mundanas com o advento de uma tempestade. É o fim. Tanto da história de três horas de duração, quanto da nossa paciência enquanto espectador. Louvável a proposta dos roteiristas em mudar a abordagem literária que serve como ponto de partida, mas no final das contas, o excesso de criatividade nos entrega uma narrativa escalafobética. É tudo muito excessivo, em especial, as atuações estranhas e o ritmo desinteressante. A maquiagem de Roy Ashton, veterano da Hammer, entrega um monstro convincente na maioria das passagens, personagem contemplado pela burocrática direção de fotografia de Arthur Ibbetson. As cenas ganham dramaticidade com a textura percussiva da trilha sonora assinada Gil Mellé, eficiente por sinal, mas não suficiente para transformar A Verdadeira História de Frankenstein em algo pulsante enquanto entretenimento. O texto cinematográfico foi, inclusive, transformado em livro, com um prólogo e um epílogo para adicionar camadas literárias mais próximas do estilo romance, junto ao roteiro que insere camadas generosas de crítica social, cultural e política na trama, mas esquece de criar uma relação de magnetismo para manter o público envolvido.

É, em linhas gerais, uma tradução curiosa do romance de Mary Shelley. E só.

A Verdadeira História de Frankenstein (Frankenstein: The True Story | EUA, 1973)
Direção: Jack Smight
Roteiro: Christopher Isherwood, Don Bachardy (baseado no romance de Mary Shelley)
Elenco: James Mason, Leonard Whiting, David McCallum, Jane Seymour, Nicola Pagett, Michael Sarrazin, Michael Wilding, Clarissa Kaye-Mason, Agnes Moorehead, Margaret Leighton, Ralph Richardson, John Gielgud, Tom Baker
Duração: 185 min

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