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Crítica | A Verdadeira Dor

Todo mundo sofre.

por Luiz Santiago
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Segundo longa-metragem escrito e dirigido por Jesse Eisenberg, A Verdadeira Dor (2024) acompanha os primos David (Eisenberg) e Benji (Kieran Culkin) em uma viagem à Polônia para prestar homenagem à avó falecida. Mas o que deveria ser uma jornada solene, acaba revelando falhas e ressentimentos acumulados ao longo dos anos pela dupla, transformando a passagem pelos lugares históricos em uma catarse de questões mal resolvidas. O peso do Holocausto (memória histórica já bem estabelecida, estudada, discutida, revisitada) se mistura aos desafios cotidianos de cada personagem em cena, revelando dores que oscilam entre o insuportável e o comum, entre a tragédia incontornável e as irritações banais, fazendo-nos transitar entre empatia e frustração; riso e desconforto.

A presença de Chopin dominando a trilha sonora (embora com peças repetidas, o que me frustrou muitíssimo) é mais do que um elemento atmosférico ou uma escolha temática conveniente; suas peças funcionam como um acompanhante melancólico ao turbilhão emocional dos personagens, carregando um lirismo que dialoga com a brutalidade da história e com as contradições de Benji e David. Essa fusão entre música e narrativa, potencializada pela montagem, garante à obra um ritmo que nunca se apressa em suas revelações, permitindo que cada cena respire e se construa organicamente, sem recorrer a manipulações óbvias ou à necessidade de oferecer respostas fáceis. Essa paciência narrativa tem o seu ápice na maneira como o filme apresenta o campo de concentração de Majdanek, evitando o espetáculo do sofrimento e optando por uma abordagem visual que confia no vazio, no silêncio e na ausência para comunicar o peso que traz essa memória.

A escolha cromática ao longo do filme não é acidental, e a troca de cores dos figurinos entre os protagonista é um dos detalhes mais sutis e bacanas da jornada emocional de ambos, sugerindo uma troca simbólica de papéis ou, ao menos, uma “contaminação mútua” de perspectivas. Essa abordagem visual, combinada à direção de fotografia de Michal Dymek, que tem nas cenas noturnas um espetáculo de cores saturadas e composições que evocam um labirinto psicológico, estabelece um contraste relativamente estranho com a placidez das sequências diurnas, nas quais a banalidade do presente se impõe com uma crueza quase documental, deixando boa parte do filme (que se passa durante o dia) visualmente insosso.

Benji é um personagem construído para repelir tanto os outros personagens quanto o espectador, com suas explosões de infantilidade, realismo e sarcasmo que tornam cada interação uma provocação e cada silêncio um prelúdio para novas tensões. Há algo de profundamente incômodo em sua presença, não apenas pela maneira como desafia as convenções sociais, mas porque sua dor, ao contrário de David, não se traduz em uma postura contida ou racional, mas em uma busca desesperada por atenção, e é interessante notar como Eisenberg extrai do restante do grupo de turistas atuações deliberadamente apagadas, fazendo com que a falta de carisma dessas figuras secundárias contribua para a sensação de letargia que permeia certos momentos da narrativa. E é claro que isso também destaca a presença de Kieran Culkin, que se impõe e se torna facilmente memorável neste ambiente sem graça. 

A semelhança estrutural de A Verdadeira Dor com Viagem a Darjeeling não me saiu da mente. Ambas as obras utilizam a dinâmica entre parentes como fio condutor para um processo de autodescoberta que se desenrola em meio a paisagens estrangeiras, mas enquanto Wes Anderson aposta em uma estética cuidadosamente estilizada e em personagens excêntricos que equilibram sua melancolia com doses generosas de charme, Eisenberg faz exatamente o oposto, eliminando qualquer traço de carisma ou apelo imediato para mergulhar em um desconforto que oferece poucos alívios narrativos (não que fossem obrigatórios, só para deixar claro) e que, por vezes, torna o filme uma experiência quase tediosa. Essa escolha é arriscada, porque ao mesmo tempo em que reforça a proposta realista do longa, também afasta parte do público, especialmente porque não há recompensa emocional clara ou uma transformação redentora. Nesse sentido, este é um filme que desafia as convenções do gênero da “viagem de autodescoberta”, deixando a resolução numa linha tênue, numa sugestão que gera perguntas e abre caminho para uma boa quantidade de análises comportamentais.

Eisenberg obriga o espectador a carregar as mesmas incertezas e dilemas de seus personagens, fazendo com que o desconforto não termine com os créditos, mas continue ressoando como uma melodia interrompida, como uma valsa de Chopin pairando no ar, como uma estadia longa num aeroporto barulhento. Ao invés de buscar um encerramento catártico, o diretor nos lembra que a dor — real ou metafórica — não desaparece com o tempo, apenas se transforma, moldando nossas relações, lembranças e escolhas de formas que nem sempre podemos compreender. Essa história de deslocamento, memória e descoberta é bem mais interessante em suas potencialidades do que no real conjunto do longa, que é bom, mas não extraordinário (algo que também digo da atuação de Kieran Culkin, por sinal). Mesmo assim, ela nos faz refletir que a redenção honesta não está em superar todo o passado, mas em aceitar o fato de que ele jamais deixará de nos acompanhar. Será um parceiro incômodo que, talvez, não atrapalhe a nova vida que possivelmente surgirá depois de identificada, discutida e compreendida a verdadeira dor.

A Verdadeira Dor (A Real Pain) — EUA, Polônia, 2024
Direção: Jesse Eisenberg
Roteiro: Jesse Eisenberg
Elenco: Jesse Eisenberg, Kieran Culkin, Jakub Gasowski, Banner Eisenberg, Will Sharpe, Daniel Oreskes, Liza Sadovy, Kurt Egyiawan, Jennifer Grey, Ellora Torchia, Piotr Czarniecki, Krzysztof Jaszczak, Marek Kasprzyk, Jakub Pruski
Duração: 90 min.

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