Como se não bastassem os desafios da carreira de jornalista ao lidar com uma série de obstáculos e demandas no ato de averiguação e transmissão da notícia, de alguns anos pra cá, uma nova função se estabeleceu: verificar notícias falsas e tentar expor para a sociedade o que é fato e o que é fake. Complicado, não é mesmo? Pois esta é a rotina dos profissionais da área na contemporaneidade, algo que já existia noutro formato, mas ganhou projeção nas eleições de 2016, nos Estados Unidos, potencializado por aqui como uma nefasta onda em 2018. Nesta era das Fake News, fotografias são manipuladas, inverdades são despejadas nos ambientes criptografados do WhatsApp, num universos de bots, robôs agindo vertiginosamente no espalhamento rizomático de mentiras, numa catástrofe que tem sido uma grandiosa ameaça para a democracia, minando a confiança das pessoas e criando confusão por onde passa, tópico temático debatido com destreza e seriedade no documentário A Verdade da Mentira.
Dirigido por Maria Carolina Telles e Jorge Pestana, a produção de 45 minutos versa sobre o quão se tornou complexa a tabulação de notícias falsas no cotidiano da informação. O tempo que antes era gasto para investigar, escrever e divulgar, agora precisa ser dividido com a apuração de dados no pantanoso terreno da virtualidade. A jornalista Petria Chaves é a porta-voz da discussão, contemplada pela direção de fotografia de Martin Sciarretta, ousada em sua incursão para a visualidade de um material de base jornalística. Nos depoimentos colhidos e editados assertivamente, discute-se a perigosa era da polarização ideológica na política brasileira, os problemas da desinformação, além de analisar quem se beneficia com este tipo de situação e os impactos dos desdobramentos das Fake News na sociedade de maneira geral.
Como depoentes, temos Amaro Grassi, coordenador da Sala de Democracia, Ângela Pimenta, presidente do PROJOR, Cristina Tardáguila, fundadora da agência Lupa, a psicanalista Fernanda Hamann, Lucas Calil, coordenadora de Linguística da FGV, Laura Chinchila, ex-presidente da Costa Rica, Pedro Doria, editor do Canal Meio, Marco Aurélio Ruediger, diretor da DAPP, Thiago Rondon, diretor do app Cívico, e Tai Nalon, diretora do grupo Aos Fatos. Tais especialistas refletem as questões envolvendo manipulação e teor falso no campo das notícias, tendo como direcionamento os acirrados posicionamentos políticos polarizados dos brasileiros nos últimos anos, com foco nas mencionadas eleições de 2018. WhatsApp, Facebook, Instagram e Twitter, redes e aplicativos criados numa perspectiva de ampliar as nossas possibilidades comunicacionais, espaços transformados em potenciais canais de disseminação de Fake News.
Em linhas gerais, A Verdade da Mentira reflete sobre o narcisismo dos cidadãos que não se interessam em ouvir a opinião da diferença, tendo em vista manter o seu idealismo intacto. Falta diversidade nos debates, respeito ao que o outro pensa, numa era onde se tornou ameaçador pensar diferente, algo associado ao criminoso. Envoltos numa montanha gigante de lixo digital, jornalistas comprometidos precisam batalhar para conter informações emitidas por robôs difíceis de complexa contenção. É um trabalho de desconstrução constante que traz até selos para as notícias: verdade, falso, impreciso, insustentável, exagerado, contraditório e distorcido. Classificadas, as informações passam por este crivo e a labuta continua, num momento de nossa história onde é preciso, também, identificar os mentirosos de três tipos: os ingênuos, os cooptados e o os comprados. Um trabalho, no mínimo, complicado.
Num dos melhores momentos da produção ágil e de teor pedagógico, um dos entrevistados associa as Fake News com a mitologia clássica, alegando que a cultura da desinformação se assemelha ao passado, quando os mitos ajudavam a compreender e explicar as visões de mundo dos indivíduos. Nas atuais fogueiras virtuais, as pessoas se prendem ao que querem e precisam acreditar, contaminadas pela imprecisão do que chega de informação nesta macabra sacada de marketing digital, isto é, a explosão de notícias falsas nas redes sociais e aplicativos, em especial, os famosos grupos de família, trabalho e amigos, onde um montante recebe uma informação fake e sai disparando para os demais, num absurdo ciclo de espalhamento de desinformação. Ainda sobre o tom pedagógico, há até propostas de intervenção, com uma reflexão sobre a importância de se debater Fake News com mais veemência do Ensino Médio aos cursos de Jornalismo contemporâneos, quem sabe, grifo meu, novos componentes curriculares para o tema?
A Verdade da Mentira (Brasil – 2020)
Direção: Maria Carolina Telles, Jorge Pestana
Roteiro: Rodrigo Azevedo, Júlio Lubianco
Elenco: Petria Chaves, Amaro Grassi, Angela Pimenta, Cristina Tardáguila, Fernanda Hamann, Laura Chinchilla, Lucas Calil, Marco Aurelio Ruediger, Pedro Doria, Tai Nalon
Thiago Rondon
Duração: 45 min
