Home FilmesCríticas Crítica | A Última Vez Que Ouvi Deus Chorar

Crítica | A Última Vez Que Ouvi Deus Chorar

Quando a natureza engole o ser humano.

por Frederico Franco
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O filme de Marco Antonio Pereira está posicionado em um território híbrido: é narrativo, mas também faz uso de elementos estéticos que transformam a história em personagem secundário. Nele, acompanhamos uma jovem que descobriu uma gravidez através de um sinal divino da natureza. Depois disso, sua atribulada gestação traz ao seu pequeno povoado no interior mistérios exóticos tanto da personalidade da protagonista quanto da própria realidade na qual os personagens estão envolvidos. A última vez que ouvi Deus chorar é de um requinte estético tão potente que transborda a esfera da protagonista e deixa o espectador em um transe absoluto com a construção delicada, porém intensa, de uma mise en scène extremamente ousada.

As primeiras sequências do filme lembram muito Post Tenebra Lux, do diretor mexicano Carlos Reygadas. Aqui, a relação entre protagonista e natureza é explorada através da pequenez do ser humano perante o meio ambiente. O fogo, as árvores, o céu: tudo funciona com o objetivo de apresentar uma dinâmica de domínio, de vulnerabilidade dos personagens frente aquilo que não conseguem controlar. Esse diálogo entre homem e natureza é construído pelo diretor como algo místico, muitas vezes, inclusive, sendo visto como uma intervenção divina. Ao longo do período de gestação da protagonista, tudo que envolve a natureza é tido como uma mensagem de Deus.

As paisagens filmadas apenas com luz natural revelam que, na verdade, a floresta, o cerrado, o pôr do sol, são mais do que personagens: são protagonistas ativos do filme. A beleza estética é chocante. Mas o que mais chama a atenção são os efeitos que constroem a imagem. Distorções de lente, imagens gravadas para emular o negativo do filme, mudanças delicadas de foco, tudo isso auxilia na construção da atmosfera mágica de A última vez que ouvi Deus chorar.

Por mais bela e suave que seja a estética do filme, não se pode deixar de lado o mérito da direção em saber ser opressiva. Em momentos de maior tensão dramática, a câmera quase engole a protagonista com close ups extremos que desfocam absolutamente tudo ao redor dela. Nossa respiração, em tais momentos, fica presa: a dor, o sofrimento, o luto, assim como a câmera, sufocam o espectador ao longo de sua duração. A hibridez do filme também demarca a existência de uma suposta realidade alternativa quando vemos as imagens em negativo. Nelas, vemos uma filha que nunca veio a nascer.

A cada passo da criança ouvimos gritos de agonia – como se sua existência fosse marcada especialmente por dor e sofrimento. É nessa realidade paralela que o diretor nos apresenta simbólicas imagens de animais sendo abatidos. Por que essa violência? Não se sabe. Mas talvez, essa realidade paralela que surge sem explicação, não seja algo muito diferente da vida da protagonista, pautada por pura angústia e desgosto.

A Última Vez Que Ouvi Deus Chorar – Brasil, 2023
Direção: Marco Antonio Pereira
Roteiro: Marco Antonio Pereira, Ariane Rocha
Elenco: Cibele Zêodi, Larissa Bocchino
Duração: 18 min.

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