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Crítica | A Última Pergunta, de Isaac Asimov

por Luiz Santiago
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Vamos começar dizendo que o Universo possui dois tipos de processos, os reversíveis e os irreversíveis. Para a Física e para a Ficção Científica, esses princípios têm sido utilizados como motivação para o curso de desastres ou grandes exemplos de progresso tecnológico da humanidade, sempre envolvendo algum tipo de aparato complexo, tais como robôs e computadores, os favoritos dos grandes mestres do gênero, dentre eles, Isaac Asimov, que em 1956 escreveu o estupendo conto A Última Pergunta, publicado na revista Science Fiction Quarterly.

Baseado no conceito físico de Entropia — o “grau de desordem”, aleatoriedade e irreversibilidade de um sistema termodinâmico — Asimov escreveu A Última Pergunta olhando para o futuro do nosso próprio Universo. Pela Física, sabemos que os processos naturais acabam tendo maior entropia do que processos antinaturais (máquinas) e esse conceito fica ainda mais interessante quando falamos do uso de energia consumida para alguma coisa: um cigarro queimado jamais se tornará um cigarro novamente, ou, como no exemplo dado no conto, “não se pode construir uma árvore de volta a partir de fumaça e cinzas“.

O impacto disso no caso do nosso Universo tem uma pintada de melancolia que, no conto, vai crescendo e se tornando um mistério angustiante a cada nova geração que resolve fazer a mesma pergunta para o computador Multivac (depois Microvac, AC-Galáctico, AC-Universal e AC-Cósmico): pode a entropia ser revertida? Ao saber que as estrelas, após queimarem todo seu combustível, não poderão tornar-se novamente estrelas, tais qual um dia foram, as várias versões do homem que aqui vemos, a partir de um marco de Singularidade Tecnológica (evento futuro no qual a humanidade atravessará um enorme estágio de avanço tecnológico num curto espaço de tempo, fazendo com que a inteligência artificial supere a inteligência humana), encontram-se com a seguinte conclusão do super-computador: DADOS INSUFICIENTES PARA RESPOSTA SIGNIFICATIVA.

Asimov manipula com grande habilidade o imediatismo do homem, dando a entender que problemas que causarão a extinção da nossa espécie são tratados apenas como uma curiosidade excêntrica com a qual nada temos a ver. No escopo Espaço-Temporal do Universo, tanto nosso quanto da obra, isso pode ser verdade, mas a questão não deixa de ser importante e o futuro deverá lamentar que seus antecessores não tenham iniciado processos científicos desde cedo para, talvez trilhões de gerações depois, chegarem a um resultado quem sabe positivo.

Mesclando conceitos de Física e teorias ou propostas como a morte térmica do Universo, Transumanismo, modelo cíclico do Universo, Ponto Ômega (o último e máximo nível da consciência humana), teologia e filosofia, o autor nos leva por trilhões de anos de Civilização, estágios distintos do que hoje conhecemos como Humanidade e pelas muitas e impensáveis prioridades do homem através dos milênios. A busca pelo conhecimento é algo que visita todas essas fases e nos parece que o desalento ou um certo “abandono” dos seres humanos crescem à medida que a primeira pergunta (na verdade, a última, tal qual sugere o título) chega ao seu Dia D, o verdadeiro momento onde deveria ser feita. Bilhões de anos depois, ainda não havia o que fazer. Não havia resposta.

O leitor pode experimentar um pouco de anticlímax na primeira metade do conto, mas é um sentimento necessário, só no final isso será compreendido. A partir da segunda geração (a primeira é em maio de 2061), percebemos que o nível tecnológico do homem está mais alto, os nomes dos personagens estão diferentes e as ideias de dominação, controle de natalidade, vida eterna e consciência humanas vem à tona, até o ponto em que só uma coisa realmente importe e nada mais exista para se importar.

O paradoxo, a ligação do final desta realidade com o Livro do Gênesis e a visitação ao subgênero da Ficção Científica chamado “shaggy god stories” (tentativa de explicar conceitos bíblicos a partir de caminhos científicos e ficcionais) são a cereja do bolo. O que nos parecia apenas um capricho mais ou menos aceitável no começo, simplesmente nos deixa em estado de Mind = Blow por algumas horas.

Depois de ler A Última Pergunta nós não somos os mesmos. E fica cada vez mais difícil rir e desprezar as teorias [malucas?] dos que falam que nós somos criações de uma tecnologia ultra-avançada. Mas isso é só Ficção Científica, não é mesmo? Ou será que não?

A Última Pergunta (The Last Question) — EUA, 1956
Autor: Isaac Asimov
Publicação original: Science Fiction Quarterly (republicado em diversas coletâneas de contos do autor posteriormente, tanto no exterior quanto aqui no Brasil).
15 páginas

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