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Crítica | A Sombra do Vampiro

Um inteligente exercício de metalinguagem que nos leva aos bastidores do clássico expressionista Nosferatu.

por Leonardo Campos
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A metalinguagem é um processo intrigante e, quando bem estabelecido, torna a produção que referencia tão atraente quanto o material ou situação referenciada. A Sombra do Vampiro, dirigido por E. Elias Merhige não consegue nos levar ao êxtase intertextual, mas se desenvolve de maneira eficiente, emulando um dos melhores filmes sobre a mitologia vampírica já realizados. Lançada em 2000, a produção nos guia pelo curioso olhar do roteirista Steve Katz, dramaturgo responsável por nos apresentar uma enigmática, humorada e reflexiva imersão nos bastidores de Nosferatu, um clássico exemplar do auge da vanguarda expressionista no bojo da linguagem cinematográfica, adaptação não autorizada do romance Drácula, do escritor irlandês Bram Stoker, narrativa que quase se perdeu em sua polêmica história judicial lá pela década de 1920, redescoberto, restaurado e reimaginado posteriormente, se mantendo como pérola da memória do cinema, refilmada por Werner Herzog, em 1979, e parodiada no filme aqui analisado.

Com direção de fotografia de Lou Bogue, design de produção de Assheton Gorton e condução musical de Dan Jones, A Sombra do Vampiro resgata elementos diversos da linguagem do expressionismo alemão e mescla em suas imagens e sons, traços do clássico referenciado com as características autorais dos realizadores, funcionando então, como uma narrativa eficiente em seus aspectos estéticos, mergulhada em reflexões sobre os paradoxos da lógica artística. Aqui, temos em atuações convincentes, um cineasta diante de suas excentricidades, juntamente com uma figura tenebrosa que realiza sacrifícios em nome do exercício de sua arte. Nesta perspectiva cômica, ao longo dos 92 minutos de exposição, podemos afirmar que o diretor do filme dentro do filme é tão (ou mais) monstruoso que a própria criatura nefasta, conhecida por sugar o sangue de suas vítimas e garantir, assim, a sua sobrevivência solitária e eterna.

Em seu desenvolvimento, A Sombra do Vampiro nos apresenta os bastidores da concepção de Nosferatu. Interpretado por John Malkovich, coeso e coerente em seu desempenho dramático, F. W. Murnau é aqui um personagem que deseja realizar um filme com muita autenticidade e, para isso, contrata um vampiro para o papel principal. O elenco, preocupado com a forma enigmática que o diretor organiza a produção e esconde ao máximo seu antagonista, se assusta ainda mais quando o suposto ator é revelado. Max Schreck (Willem Dafoe), artista que teria estudado teatro com Stanislavsky, é o escolhido, um vampiro que topa encenar a produção se tiver, em troca, vítimas entregues de bandeja para saciar a sua sede sanguinária. Bizarro, ele é praticamente uma representação cabal do grotesco: esguio, silhueta macabra, longas orelhas pontiagudas, garras afiadas e enormes, crânio calvo, dentre outras características aterrorizantes, numa aproximação visual entre o humano e o animalesco.

Para os atores, é curioso o fato de Schreck estar sempre maquiado. Do lado de cá, nós sabemos as motivações, mas na dinâmica interna do filme, os envolvidos sequer desconfiam que estão contracenando com um vampiro de verdade. Dirigido não apenas diante das câmeras, um veículo de imortalidade na visão do cineasta (inclusive do Murnau real), a criatura da noite também é controlada diariamente pelo diretor, pois precisa manter a paciência para conseguir o seu prêmio principal: o pescoço de Greta Schroeder (Catherine McCormack), a protagonista do filme, uma atriz que despreza solenemente o cinema e exalta constantemente o teatro, para o desgosto dos participantes da produção, equipe que precisa lidar com uma diva sempre exaltada e nada gentil.

As coisas, por sua vez, saem totalmente do controle. O primeiro a ser despachado para o além é Wolfgang Muller (Ronan Vibert), o diretor de fotografia. Ao passo que as filmagens avançam, outras pessoas que integram os bastidores começam a desaparecer ou adoecer. É o estabelecimento do caos. Com preciosas cenas reformuladas do filme de 1922, A Sombra do Vampiro é uma destas narrativas metalinguísticas que funcionam mais para quem possui acesso aos seus códigos, neste caso, que não tenham assistido completamente, mas saibam o básico sobre Nosferatu, ou já tenha visto algumas de suas cenas mais clássicas. Confirmo isto pelo fato da produção ter apenas 92 minutos, mas em algumas passagens, estabelecer um ritmo mais lento, algo que requer uma paciência cinéfila que nem sempre pode ser atrativa para os que buscam exclusivamente o entretenimento.

Em linhas gerais, um inteligentíssimo exercício de metalinguagem. Falho apenas no ritmo.

A Sombra do Vampiro (Shadow of The Vampire, EUA – 2000)
Direção: E. Elias Merhige
Roteiro: Don Houghton
Elenco: John Malkovich, Willem Dafoe, Udo Kier, Eddie Izzard, Cary Elwes, Catherine McCormack, Aden Gillett e Ronan Vibert
Duração: 95 min.

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