Charlton Heston só dirigiu três filmes em toda sua longa carreira na Sétima Arte, apesar de ter participado, como ator, de mais de 120 produções. Quem assistir À Sombra das Pirâmides, o début diretorial dele, vai entender o porquê.
Com base em roteiro escrito por Federico de Urrutia e pelo próprio Heston, a partir da peça A Tragédia de Antônio e Cleópatra, de William Shakespeare e que surpreendentemente segue de forma muito próxima a criação do bardo inglês (por sua vez com base na tradução de Thomas North da obra de Plutarco), À Sombra das Pirâmides tem direção pesada, sem jeito, amadora mesmo. É marcante quando um filme com essa temática gera risos inadvertidos na audiência e, depois, uma vontade imensa de clicar no avanço rápido do controle remoto.
Charlton Heston vive pela terceira vez Marco Antônio (vivera antes em Julius Caesar, de 1950 e Julio César, de 1970, ambos baseados na obra homônima de Shakespeare) que, juntamente com Otaviano e Marco Lépido, governava o Império Romano por meio do Segundo Triunvirato. Marco Antônio, porém, está apaixonado por Cleópatra e vive em Alexandria dedicado à sua amante, esquecendo-se de suas funções de Estado. A tensão que isso gera entre ele e Otaviano é gigantesca e a guerra começa, guerra essa que encerraria o triunvirato e transformaria Otaviano, que passa a adotar o nome Augusto, no primeiro Imperador Romano.
A produção faz um enorme esforço para parecer elegante e, mesmo sendo bem sucedida no quesito figurino, não tem força para passar ao espectador o poderio dos exércitos dos dois lados. Otaviano e Marco Antônio são normalmente cercados por uma meia dúzia de soldados, a batalha naval tem dois ou três navios em escala reduzida, com combate entre apenas dois e por não mais do que dois minutos e a batalha final, que deveria ser grandiosa, reuniu extras parcamente vestidos que nada fazem em termos de conflito.
Mas uma produção espartana nunca foi obstáculo para grandes narrativas. Basta ver o exemplo do magnífico Macbeth de Orson Welles que fez muito com nada. Já Heston faz nada com muito (ok, nem tanto assim, mas bem mais do que Welles), fiando-se em um trabalho de câmera burocrático, repetitivo e que contribui para a morosidade da progressão da narrativa. E o pior é que ele ainda faz uso de assustadores sobreposições de imagens, como a pavorosa utilização da imagem “fantasmagórica” de Otaviano rindo, vitorioso, e a de Marco Antonio cabisbaixo, derrotado, depois da batalha marítima, como se já não fosse mais do que absolutamente óbvia a situação. Mas ele insiste nessa “técnica” outras várias vezes, o que literalmente causa espasmos de vergonha alheia.
Só que Heston não para por aí. Invertendo a desconcertante técnica que descrevi, ele faz também uso da repetição de algumas linhas de diálogo, com eco, mas “desencarnadas” para da mesma forma enfatizar algumas cenas e os personagens que “ouvem” essas vozes literalmente levantam a cabeça como se estivessem de verdade escutando coisas do além. É de um amadorismo e falta de sensibilidade que poucas vezes vi.
E, convenhamos, Heston também nunca foi um grande ator em termos dramáticos. Sim, ele tem uma imponente presença e sim, já fez papeis inesquecíveis como em Ben-Hur, O Planeta dos Macacos, Os Dez Mandamentos e El Cid. No entanto, venhamos e convenhamos, sua qualidade dramática nesses exemplos está muito mais atrelada à qualidade das produções do que aos seus méritos intrínsecos. Assim, despido da ajuda da produção em À Sombra das Pirâmides, Charlton Heston é só um homem de estatura e físico imponentes fazendo caras e bocas, além de tentativas de olhares lânguidos para Cleópatra. E o resto do elenco não tem melhor sorte, pois Hildegard Neil, no papel da Rainha do Egito, sofre brutalmente com a imagem que todos nós temos marcada em nossas retinas de Elizabeth Taylor no mesmo papel no filme de 1963. Neil é apagada e não consegue se impor mesmo quando não contracena com Heston. Já no papel do principal antagonista, Otaviano, John Castle (Robocop 3) não é muito melhor do que Heston. A única vantagem dele sobre o protagonista é que ele só precisa fazer cara de contrariado e, com isso, foge um pouco da teatralidade do ator-diretor. Nem mesmo Fernando Rey, um dos atores preferidos de Luis Buñuel, escapa do lugar-comum no papel de Lépido, mas ele é ao menos abençoado com pouco tempo de tela.
O mérito de À Sombra das Pirâmides é manter-se fiel ao espírito da obra de William Shakespeare não só por intermédio dos diálogos, mas, também, por toda sua estrutura, ainda que, claro, restrições orçamentárias tenham impedido a exploração de algumas cenas constantes da peça, mas nada que criasse problema. A questão é que, fidelidade ao material fonte nem sempre é tão desejável assim e, quando é, não sobrevive sozinha quando todo o resto ao seu redor é frágil como o próprio Segundo Triunvirato. Heston deveria ter se contentado com sua bem-sucedida carreira como ator.
Ah, não poderia encerrar essa crítica sem perguntar: o que passava pela cabeça da pessoa que batizou Antony and Cleopatra, no original, de À Sombra das Pirâmides no Brasil? Só porque o filme se passa no Egito, não quer dizer que ele tem que ter pirâmides ou que faz algum sentido citá-las no título. Cleópatra viveu em uma época uns 1.500 a 2.000 anos depois que as pirâmides deixaram de ser construídas e a ação, quando no Egito, se passa em Alexandria, cidade que nunca teve pirâmides. Pronto, já desopilei o fígado!
À Sombra da Pirâmides (Antony and Cleopatra, Reino Unido/Espanha/Suíça – 1972)
Direção: Charlton Heston
Roteiro: Federico de Urrutia, Charlton Heston (baseado em peça de William Shakespeare)
Elenco: Charlton Heston, Hildegard Neil, John Castle, Fernando Rey, Eric Porter, Juan Luis Galiardo, Carmen Sevilla, Freddie Jones, Peter Arne, Luis Barboo
Duração: 138 min.